segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Traduções e interpretações de iorubá:

A visão de um Ogã do Ilê Axé Opô Afonja.
Luiz L. Marins28/12/2009


Em 09 de Dezembro de 1999 foi lançado pela editora Pallas o livro Faraimará, o caçador traz alegria, em homenagem aos 60 anos de santo de Mãe Stella, ialorixá do Ile Axé Opô Afonjá. Este belo livro comemorativo traz em seu sumário uma introdução de Agenor Miranda Rocha, uma nota dos organizadores Cléo Martins e Raul Lody, e um artigo de Gilberto de Exu sobre o oríkì Exu Ota Orixá.

O corpo do livro é dividido em duas partes: I. Patrimônio e Cultura com treze artigos, e II. Memória e Tradição com 21 artigos. É nesta segunda parte que um artigo cujo título é Oríkì Oyê Orúko, de Ildásio Tavares, Ogã do Ilê Axé Opô Afonjá, à página 209, chamou-me a atenção.
A advertência incisiva de Ildásio sobre a questão das traduções de textos ou fonemas iorubás tão comuns hoje não apenas em livros como também na internet, impeliu-me a escrever este resumo de seu artigo, que segue abaixo, na intenção de compartilhar esta advertência de Ildásio sobre o tema.


ORIKI OYÊ ORUKÓI


ldásio TavaresBacharel em Direito, Mestre, Doutor Pós-Doutor em Letras, Ogã de Oxum, Ogã Omil’arê, Obá de Xango do Ile Axé Opô Afonjá.

Introdução
Os procedimentos litúrgicos e a estruturação dos cargos no candomblé orientam-se por uma estratégia de sobrevivência do culto na diáspora. As variantes litúrgicas (que forem possíveis sem afetar os fundamentos da religiosidade) fazem parte de um processo de adaptação da religião africana a uma realidade brasileira que, conforme o tempo e o local será mais ou menos receptiva e, em alguns casos e períodos, extremamente adversa. [...]
Certos puristas vivem tentando um processo de reafricanização do candomblé, inclusive tomando a África atual como parâmetro. Este procedimento é arriscado porque os aspectos exteriores do culto no Brasil visavam a proteger os fundamentos secretos da religião, e não desfigurá-los. Cabe ponderar que, com o tempo, a força do significante poderia distorcer o significado. Mas este risco teve que ser corrido para que o candomblé sobrevivesse no Brasil, na diáspora. [...]
Na realidade, há uma série de processos sincréticos no vestuário e nos adereços, as chamadas ferramentas dos orixás, sem, contudo, haver uma desfiguração do orixá em sua essência íntima. No fundo são adaptações, reduções sociológicas e antropológicas em que se busca o mesmo significado com significantes diferentes. [...].
Debaixo de toda e qualquer aparência que modifique a exterioridade do culto, a essência litúrgica do candomblé continua a mesma. [...]
Qualquer tentativa de repurificação, ortodoxia, reafricanização vai pecar por base, principalmente porque uma norma básica antropológica diz que “a área mais afastada é mais conservadora e a área central é mais inovadora”.

2. Tradução/interpretação no contexto de uma língua polissintética
Postas estas questões introdutórias, [e lembrando que] a língua iorubá do nosso candomblé é arcaica, podemos passar a uma tentativa de conceituar oríkì no universo semântico afro-brasileiro em que as diversas distorções poderão ser mais bem entendidas ao se pôr de lado qualquer purismo de ordem regressiva. [O oríkì é uma saudação-em-nome. É um nome que encerra uma louvação, um elogio, que se refere a uma qualidade sempre excelente da pessoa. (Lima, op.cit., p.70)]. Assim, o conceito de oríkì pode-se estender desde um cântico de louvor ao orixá, até um simples nome, um orúko em que, por um processo de aglutinação comum às línguas polissintéticas, o caráter básico de saudação do oríkì pode estar tão fundido a ponto de ficar irreconhecível eliminando a distinção um do outro. Cabe mesmo indagar se, reduzido o oríkì ao seu mínimo que seria o epíteto, na essência da filosofia onomástica iorubá, não estaria embutida a intenção laudatória de um nome como um minicurrículo, um epíteto, uma louvação.
[...] Aproximar-se dos oríkì mais longos é um risco, uma temeridade, uma cilada, que, não obstante, não inibem os vorazes e incautos tradutores que, sem mesmo uma comezinha iniciação linguística invadem uma língua polissintética para transportá-la a mais exígua polissemia das línguas analíticas, sem sequer imaginar que entre estas existe o desfiladeiro das línguas sintéticas. Ninguém pode ser tradutor para o português sem saber latim. Contudo, vivemos o tempo das mistificações arquitetadas no computador com ignorância e falta de pudor. Pessoas que não sabem iorubá e pouco dominam a língua portuguesa vivem traduzindo de uma para outra língua afoitamente, e publicando desavergonhadamente seus monstrengos pseudo-literários em que nem se aproximam do sentido literal. [...]. Aconselho qualquer pessoa que pretenda se aprofundar no universo da semiótica verbal a encetar um estudo vertical de linguística. [...]
É preciso, pois, conhecimento linguístico e intimidade com os processos metafóricos e metonímicos das línguas polissintéticas para que possamos fazer uma aproximação cautelosa dos oríkì e orúko, a fim de interpretá-los à luz de componentes antropológicos relativos a um universo simbólico que não é o nosso, diga-se de passagem, o que nos pode conduzir a resultados redutivos ou equivocados. Como traduzir em substantivos, verbos, adjetivos e advérbios, preposições e conjunções a partir de uma língua que não tem essas categorias gramaticais? Que não tem categorias gramaticais fixas? E que possui palavras-frases? [...]
É no trato com estes mecanismos linguísticos que podemos entender melhor os conceitos iorubás, mas faz-se necessário um maior aprofundamento cultural e religioso para se chegar perto de uma compreensão mais legítima, sendo necessária, antes de tudo, estabelecer a meta de uma interpretação aberta, muito mais do que uma tradução fechada. As línguas polissintéticas são extremamente pertinentes nos cultos iniciáticos pela sua complexidade sonora que pode, se mal realizada, frustrar a presentificação litúrgica, o poder ontofânico da palavra. E, nesse respeito, o tom [iorubá] desempenha um papel fundamental, fonêmico, que não tem contrapartida em português.

3. Algumas relações oríkì/orúko
Esclarecidos estes pontos, gostaria de elaborar um pouco sobre a realidade concreta de alguns orúko [nome iniciático] e sua feição sintética de oríkì, de epítetos ou de saudações aglutinadas que, em alguns casos, carecem de uma perífrase para que sejam compreendidas em sua inteireza semântica. [...]
Cada orúko identifica o orixá do filho. Quem é de Xango será Obá..., quem é de Omolu será Iji..., quem é de Oxalufan será Iwin... ou Olufan..., quem é de Oxaguian será Ajagun..., quem é de Oxum será Oxum... ou Omi..., quem é de Iemanjá será Yá..., quem é de Ewa será Ewa..., quem é de Obá será ...obá (posposto), quem é de Nanã será Nã..., quem é de Yansan será Oya..., quem é de Ogum será Ogum..., quem é de Logunede será Logun..., quem é de Iroko será Loko..., quem é de Oxumare será Dan... [...]. Não obstante, o uso do orúko varia de casa para casa. No Ilê Axé Opô Afonjá as pessoas se tratam pelo orúko e sabe-se o de todos, mesmo das ialorixás. [...]
Como estamos homenageando Mãe Stella, cujo orúko Odé Kayode (O caçador traz alegria) é a frase que dá título a este livro, que tal se eu propusesse uma tradução mais sintética? “O Provedor”. A alegria que o caçador traz poderia ser interpretada como a caça que alimenta, pois ninguém se alegra sem estar alimentado. O caçador traz alegria porque é o provedor que traz o sustento, a saciedade. Esta é a função básica do caçador na sociedade primitiva – prover o alimento. [...]
Odé Kayode é um orúko que, por conseguinte, reafirma esta capacidade do caçador de guiar, de orientar, de desembaraçar os cipós, lianas e gravetos para transformar uma floresta de enganos, nossa existência, num caminho que leve à iluminação até Olórum.

Axé. http://www.orixa.rg3.net http://www.orixa2.rg3.net

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Triste realidade da Umbanda.

Iniciantes fadados ao erro, comunidades inteiras que mais desaceleram a evolução da Umbanda prestam serviço para a ignorância, mais claramente falando apostam na apologia à burrice.
Devo acreditar que os donos destas comunidades mais incentivam o crime de desaprender do que se dão ao trabalho de buscar conhecimento e pregam uma falta de cultura e ignorância.

O resultado logo se vê quando somado a moderadores que sem preparo algum insuflam a ditadura virtual, mas observem a decadência nem ao menos sabem escrever Faike que na verdade seria fake, quer dizer que um perfil não existe, antes de poder tentar se expressar deveriam procurar no Google, o pai dos burros, mais fácil de se achar na net, o grande pesquisador que ajuda a qualquer um quando esta perdido.

Seguindo esta tendência logo a Umbanda estará fadada como disse acima ao esquecimento e não apenas aos erros que se amontoam como cálices numa pilha de alfafa ruminada e expelida...

Infelizmente esta realidade somada aos incidentes que assolam o país depõe a favor ao que vemos na TV, e fico imaginando o quanto estas comunidades contribuíram para que chegassem as noticias que nos revoltam hoje nos diários populares... Quando estaremos livres de tais apologias a burrices... Espero mesmo que um dia não precisaremos mais ver tantos avestruz religiosos intitulados de pais de santos e mães de santo depondo contra sua própria religião.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Balança de um Aláààfin

Para o povo Nagô, o conceito de vida e morte é importantíssimo. O nascimento para uma nova vida e a perpetuação do ser, fazem parte integrante do seu ritual. A morte não é o fim, para os Nagô, é apenas um ciclo que reinicia, pois acreditam na reencarnação (Àtúnwa), o indivíduo retorna à sua família, reencarnando novamente. Seria algo terrível quebrar este ciclo que mantém assim com homens e mulheres dentro da sua família.

Ègun é a certeza que Ìkú está presente, ele volta do reino da morte afirmando que esta existe, e se faz visível para os olhos humanos.

Inicialmente a Orí é o conceito da individualidade procedente da criação de um Òrìṣà, esta Orí será cultuada no Àiyé como uma divindade. Esta cabeça estará fechada a certos Èwọ̀ (proibições) e riquezas que a ela e somente ela poderá carregar.

Uma Orí é a personificação do elemento humano, podem lhe retirar tudo – roupas, cabelos, dignidade, dinheiro e poder – mas jamais retirarão o seu intelecto, porque ele está incrustado no seu ser, na sua Orí. Você é quem é pelo simples fato de carregar uma Orí. Esta Orí faz parte do comunitário e está ligada ao seu ancestral, você foi e será um elemento cultuado através da sua Orí.

[i]O Igbá-orí representa o nosso destino e nossa ancestralidade

Este conceito é totalmente preservado dentro da cultura Nagô. Encontramos esta mesma consciência no RS, mesmo que algumas Ilé se abstraiam da consciência do ato e ritual, mas estão preservando de alguma forma seus rituais e conceitos de individualidade e pessoa.

Sabendo que ao olhar para o Igbá-orí para entender o que está em suas mãos, é necessário abster-se de todo e qualquer conceito para chegar ao entendimento do que é a sua personalidade alma, imortal e eterna. Só assim saberá quem é, e o que faz na religião perguntando para onde irá. O Bori tem a finalidade de cultuar a Orí separado da feitura do Òrìṣà, o Bori nada mais é do que a consciência da pessoa, a imortalidade e perpetuação daquele indivíduo como membro de uma comunidade que deverá ser cultuada mesmo após a transição para o reino de Ìkú.

[ii]No Brasil, nas comunidades de candomblé e demais denominações religiosas afro-brasileiras que seguem mais de perto a tradição herdada da África, a morte de um iniciado implica a realização de ritos funerários. O rito fúnebre é denominado Aṣeṣe na nação Ketu, tambor de choro nas nações mina-jeje e mina-nagô, sirrum na nação jeje-mahim, Nago e no batuque, ntambi ou mukundu na nação angola, tendo como principais fins os seguintes:

1) desfazer o assentamento do ori, que é fixado e cultuado na cerimônia do bori, cerimônia que precede o culto do próprio orixá pessoal;

2) desfazer os vínculos com o orixá pessoal para o qual aquele homem ou mulher foi iniciado, o que significa também desfazer os vínculos com toda a comunidade do terreiro, incluindo os ascendentes (mãe e pai-de-santo), os descendentes (filhos-de-santo) e parentes-de-santo colaterais;

3) despachar o egum do morto, para que ele deixe o aiê e vá para o orum. Como cada iniciado passa por ritos e etapas iniciáticas ao longo de toda a vida, os ritos funerários serão tão mais complexos quanto mais tempo de iniciação o morto tiver, ou seja, quanto mais vínculos com o aiê tiverem que ser cortado (Santos, 1976).
Mesmo o vínculo com o orixá, divindade que faz parte do orum, representa uma ligação com o aiê, pois o assentamento do orixá é material e existe no aiê, como representação de sua existência no orum, ou mundo paralelo. Mesmo um abiã, o postulante que está começando sua vida no terreiro e que já fez o seu bori, tem laços a cortar, pois seu assento de ori precisa ser despachado, evidentemente numa cerimônia mais simples.



Retornando ao Sirrum ou conhecido como Aṣeṣe tem a finalidade de desfazer o assentamento da Orí, Neste ritual será preparado o templo para a passagem daquele indivíduo e a iniciação do culto ao mundo dos Egungun. Algumas manifestações ocorrem durante o ritual, porém não são os Òrìṣà que costumam dançar nos templos durante as “rodas de santos”. Chegam em silêncio, e se portam totalmente diferente das divindades de alguns cavalos que estão no transe.

Este ritual possui também a finalidade de quebrar os vínculos com os parentes religiosos, nota-se que a Ori foi escolhida por um orixá durante a vida do ẹlẹ́gún ela carrega o Òrìṣà harmonizando Orí + Òrìṣà durante a vida toda deste Omoriṣá, o Sirrum está desfazendo este vínculo, e formalizando para aquela Orí que a partir desta iniciação ele não pertence mais ao, que ele será cultuado no Ìgbálẹ̀ e que sua realidade é outra.

Porém mesmo assim ele não perde os vínculos com o Òrìṣà e mantém suas características, preservando a consciência e mantendo sua existência representada pela forma daquele Òrìṣà ao qual foi iniciado.

Cada etapa ao qual foi designado o ẹlẹ́gún como Orí-bibọ́, Bori ou feitura cria vínculos com o terreiro. Estes rituais se repetem durante a sua extensão religiosa, podendo-se notar que nem um deles é retirado, porém ele se repete acima de cada um deles, como se o primeiro fosse reafirmado em cima de cada um dos rituais na seguinte ordem - os Akọ awùrẹ̀ (cabrito), Àkùkodìẹ e Adìẹ (galos e galinhas) e finalmente por cima de tudo os ẹyẹlé (pombo) -. Apesar de já ter ouvido por uma Iyalorisá que o Orí-bibọ não tem importância alguma eu não consigo vê-lo ele desta forma, basta saber um pouco do ritual para entender a importância perpetuada neste ritual que finaliza todas as obrigações descendentes.

Exigindo a responsabilidade de desfazer cada etapa para liberar aquela Orí para o ọ̀run - da mesma forma que ocorre com o Òrìṣà que é despachada suas ferramentas, Otá e tudo que lhe pertence - ficando esporadicamente apenas aquele Òrìṣà daquela Orí, raras vezes o herdeiro do Ilé fica com o Otá para manter o culto á aquele Òrìṣà.

O Aṣeṣe na cultura Nagô mantém o Yara-bọ fechado, durante sete dias apenas, as quartinhas permanecerão sem água, os santos sem velas e cobertos e com Alá brancos em sinal de luto, nada se faz para eles apenas o Aláààfin Baru está presente na Ilé regendo o ritual.

No Quinto dia iniciam-se os rituais finais. Eu acredito que seja porque para o povo Yorubá a semana tem apenas quatro dias, ainda assim leva mais ou menos dois dias, até que o Egungun seja tratado.

E é no sexto dia que se abre o Ìgbálẹ̀ quando se forra o chão com folhas de mamona, faz-se uma cama com canjica amarela dependendo do fundamento da Ilê, em acima dela deposita-se o amalá (com uma verdura especialmente usada nos rituais de Egungun), tempera-se com Oyin (mel) e Epo pupa (dendê), vela-se os quatro cantos do buraco.

A partir deste momento inicia-se o ritual propriamente dito, Baru come com Egungun e chama os ancestrais masculinos de um lado e os femininos do outro lado para começar a derrubar os Akọ awùrẹ̀ (cabrito) e Àkùkodìẹ e Adìẹ (galos e galinhas). As cerimônias dependem do grau iniciático do ẹlẹ́gún. Os que possuem iniciações mais simples, o sirrum será mais simples, determinando desta forma a quantidade de bichos e tipos que serão derrubados naquele Ìgbálẹ̀.

Este ritual demora em média, um dia e meio, pois irá corear e depenar todos os animais, porém não será servido nem um bicho que foi morto no Ìgbálẹ̀, eles são despachados limpos e inteiros. Até o final da celebração o Ilé fica com o quarto de santo fechado e não joga búzios, não passa serviços não atende clientes, a casa simplesmente fica sem trabalhar, pois se acredita-se que os Òrìṣà deram lugar para os Egungun. A única divindade que permanece na Ilé é Baru, como um rei que supervisiona os rituais e impera sobre a Nação. Quem sabe seja por isso que não entregam cabeças para esta divindade, apesar de ser o grande rei e patrono de algumas Ilé Nagô, acredita-se que ele não deve ser cultuado na Orí.

A presença do Rei Baru é notada pelo som do Ilú (tambor de dois lados), empachado com cordas que devem ficar frouxas neste ritual dando um som abafado. Os membros da Ilé permanecerão no recinto com as vestimentas adequadas e só poderão sair após embalar o Egungun para fora do templo. E assim finalizando o Sirrum embalando o carrego para fora nas cantigas de Egungun, lhe dizendo que o seu tempo não é mais o tempo dos vivos. Acenando pequenos pedaços de pano branco se despedindo suavemente, levando os Eguns que vieram buscar o novo membro da confraria. Nota-se que todo ritual será praticado em cima do assentamento do Kamuká, situado no meio do salão das Ilé Nagô. Acredito que seja mais um motivo do cuidado que não assentar Aláààfin Baru na Orí de algum ẹlẹ́gún.

Quem é Baru
Na África o culto à este Aláààfin esta cercado de tabus, pois durante seu reinado cometeu muitas atrocidades, motivo pelo qual os africanos não o raspam nem assentam. Não fazia prisioneiros, matava todos, incendiou seu reinado e possuía um temperamento incontrolável.

Kamuka = Baruolofina, Aláààfin de Oyó



[i] Conceito - Luiz marins

[ii] Conceitos de vida e morte no ritual do Aṣeṣe - Reginaldo prandi




Por Erick Wolff∞

Quando àṣẹ́ não é axé !

Quando à não é axé !
(Revisto e aumentado)
Luiz L. Marins
Dezembro de 2010

Em uma conversa descontraída com um amigo iorubá de Ijebu-Ode, mostrei a ele um jornal voltado para o segmento da religião dos Orixás. Ele começou a folhear e de repente parou numa página que trazia a propaganda de uma casa de candomblé e começou a rir disfarçadamente. Ao olhar a página, verifiquei que estava escrito em letras grandes a seguinte frase: Ilé Àṣẹ́ Sàngó.

Sem me dar conta, perguntei qual era o motivo do riso, e ele, esforçando-se por falar, entre risos, disse-me que ali estava escrito, mais ou menos isto: “Casa da Menstruação de Xango”, e explicou: àṣẹ́ não é àṣẹ.

Posteriormente consultei os dicionários de iorubá, e verifiquei que ele tinha razão.

Devido a nossa falta de hábito com a ortografia e gramática da língua iorubá, nós, falantes nativos de português, cometemos muitos erros quando tentamos escrevê-la corretamente, e na maioria das vezes não damos importância a detalhes que, para nós são insignificantes, mas que aos olhos de um iorubá nativo, o que escrevemos não faz sentido.

Vamos relembrar alguns aspectos básicos do idioma do iorubá e os tons:

( à ) tom descendente
( á ) tom ascendente
( a ) tom médio
( àá ) = ( ã ) tom duplo[1]

Vogais:
a e ẹ i o ọ u

Fonética em português:
a ê é i ô ó u

Consoantes
B D F G GB H J K L M N P R S ṣ T W Y

A letra s em português tem o som de X ou CH.

Assim, uma alteração no tom da palavra, tanto falada quanto escrita, altera completamente o significado, e neste estudo vamos usar como exemplo a palavra “axé”, devido às diversas formas que ela aparece escrita nos jornais distribuídos nas lojas de artigos religiosos, como também na internet.

Para elucidar melhor a questão, vamos transcrever dos dicionários de iorubá que dispomos, não apenas a palavra àṣẹ, mas também outras palavras similares que podem induzir-nos ao erro. Veremos que muitas palavras são realmente parecidas, motivo pelo qual devemos ficar atentos aos tons, pois são eles que fazem a diferença do sentido.

Entretanto, a questão maior não é nem mesmo a ortografia ioruba, mas transliteração e reinterpretação (ìtúùmò) para o iorubês[2], pois adaptados à fonética da língua portuguesa, muitos vocábulos são escritos da mesma forma.
Vejamos:


A Dictionary of the Yoruba Language, CMS, Ibadan, Oxford University Press, 1977 [1913]:
YORÙBÁ IORUBÊS
- Àse: festa, entretenimento.

assê
- Ase: um tipo de animal como o esquilo. assê
- Asẹ́: coador. assé
- Ãsẹ̀: porta larga. ãssé
- Àṣẹ́: menstruação. axé
- Àṣẹ: lei, ordem, instrução, comando. axé
- Ãṣẹ: amém. ãxé


Dictionary of Modern Yoruba, R. C. Abraham, London, Hodder and Stoughton, 1981 [1946]
- Àsè: ato de estar cozinhando.

assê
- Àsé: bloquear, represar. assê
- Àsé: prefixo usado na composição de palavras. assê
- Asẹ́: coador. assé
- Àṣé: (expressão) to fora! axê!
- Àṣe: prefixo usado na composição de palavras. axê
- Aṣe: idem axê
- Àṣẹ: uma ordem, um comando, um poder. axé!
- Àṣẹ́: prefixo usado na composição de palavras. axé
- Àṣẹ́: menstruação. axé
- Aṣẹ́: prefixo usado em composição de palavras. axé
- Áṣẹ́: tipo de pássaro (Macrodipteryx Longipennis) axé
- Ààṣẹ̀: porta larga aaxé



De fato, podemos constatar que meu amigo ioruba tinha razão, e como vimos, esta palavra, e mais pelo menos uma centena delas, adaptadas ao iorubês, originalmente com significados completamente diferentes, tornam-se praticamente uma, gerando enormes erros conceituais quando tentamos reinterpretar e traduzir a nossa “herança fonética africana”[3].

Existe um sem número de palavras com as quais poderíamos nos estender neste espaço, por exemplo, orum. Esta palavra é uma verdadeira armadilha para pseudo-tradutores de plantão. A primeira tentação que vem à mente, é traduzi-la por céu, entretanto, aproveitando o tema, vejamos nos dicionários de iorubá outras palavras que, em iorubês, tem a mesma fonética, e que podem nos levar a errar um ìtùúmò.



A Dictionary of the Yoruba Language, CMS, Ibadan, Oxford University Press, 1977 [1913]:
YORÙBÁ IORUBÊS
- Õrùn: sol

orum
- Õrun: sono; dormir orum
- Òrùn: aroma, cheiro, odor orum
- Orun: inclinar a cabeça em reverência, laço, arco órum
- Òrùn: pescoço órum
- Òrún: uma centena, cem órum
- Òrun: céu, mundo espiritu órum


Dictionary of Modern Yoruba, R. C. Abraham, London, Hodder and Stoughton, 1981 [1946]
- Oorun: sono

orum
- Õòrùn: soL orum
- Òórùn: odor, cheiro orum
- Òrun: céu espiritual órum
- Òrùn: pescoço órum
- Orun: reverencia, saudação, arco órum
- Orún: semana ioruba de cinco dias órum
- Òrùń: cem, uma centena órum

Complementando, vejamos estas expressões que nos parecem seriam capazes de iludir até mesmo um falante nativo:
Olórùn: aquele que tem um pescoço

Olorum
Olórun: Deus Olorum
– Olóõrun: dorminhoco Olorum
– Olóòórùn: cheiroso (ou fedido) Olorum

Outra palavra que tem gerado muita discussão é “bara”, que um certo livro- tese defende a ideia de ser o “ânimo” que dá vida e movimento ao ser humano, tese esta que não concordamos, pois contraria tudo que se escreveu até hoje sobre a Noção de Pessoa Iorubá. Apenas por curiosidade, sem entrar no âmago da questão, vejamos como esta palavra aparece nos dicionários:


Dictionary of Modern Yoruba, R. C. Abraham, London, Hodder and Stoughton, 1981 [1946]:
YORÙBÁ IORUBÊ
- Bàrà = melancia > citrullus vulgaris.

Bara
- Bàrà = mausoléu real onde são enterrados os Aláààfin. Bara
- Bàrà = bàrà-bàrà = correr balançando o corpo. Bara
- Bára = encontro, reunião. Bara
- Bárà = uma coisa podre. Bara
- Bààrà = expressão ligada ao ato de defecar. Baara
- Báárà = o ato de estar começando algo. Baara
- Bárá-bárá = o ato de amarrar algo com firmeza. Bara-bara
- Bára-bàra = fazer algo superficialment Bara-bara


A Dictionary of the Yoruba Language, CMS, Ibadan, Oxford University Press, 1977 [1913]
- Bàrà = planta rasteira que fornece o óleo de semente egunsi.

Bara
- Bara = deus do engano, o demônio, Ifá Bara
- Bárabára = pequena quantidade. Barabara
- Bàrabàra = rapidamente, apressadamente Barabara

Assim, pelo exposto, nota-se a facilidade de cometermos erros de tradução e de conceitos, contrários ou talvez até inexistentes, em suas raízes africanas.

Outrossim, sugiro que sejam revistas todas as reinterpretações apresentadas à guisa de tradução da nossa “herança fonética africana”, ou corremos o risco de reinventar a roda ao quadrado.

Axé para todos !

[1]Embora o “til” não corresponda exatamente à grafia do vocábulo.
[2]Expressão coloquial para designar uma palavra iorubá escrita em língua portuguesa, cuja ortografia não corresponde gramaticamente nem ao iorubá, nem ao português, visando apenas atender à adaptação tonal.
[3]Conjunto de canções, hinos e orações, sacras ou profanas, conservadas em dialeto de matriz africana em forma de tradição oral, transmitidas de uma geração à outra.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Ìtàn e o Ese na aculturação da palavra

Extrato do livro “Obàtálá e a Criação do Mundo Iorubá”, de Luiz L. Marins, (a ser publicado) cujo capítulo visa esclarecer o uso da palavra ìtàn (história) como sinônimo de ese (verso) no eléseese “Òrìsà Dídá Ayé”, poema da criação do mundo iorubá, do Odù Ejìogbè.

Algumas palavras iorubás em virtude das convenções gráficas adotadas depois da colonização europeia vem recebendo importantes modificações conceituais, sendo que muitos textos escritos em línguas europeias que usam palavras iorubás apresentam, sem perceber, estas modificações, criando alguns embaraços. Uma delas é a palavra ìtàn (história).

Em língua portuguesa uma história geralmente é contada em prosa, mas pode ser contada em verso (como no caso de “Os Lusíadas”, de Camões) sem deixar de ser ou ter o conceito de história, portanto, em português, uma história pode ser em prosa ou verso, mas em iorubá isto não ocorre, pois a palavra iorubá para história é ìtàn, enquanto que a palavra ese é utilizada para verso.

Como o idioma iorubá era originalmente ágrafo, talvez seja este o motivo que os dicionários não registraram uma palavra nesse idioma que tenha os dois conceitos, tal qual ocorre para “história”, story (inglês) e histoire (frances).

O primeiro ese (verso) Ìtàn àtowódówo[1], informa que o eléseese[2] Òrìsà Dídá Ayé é uma “história tradicional passada de geração para geração”. De acordo com a gramática iorubá, isto é um contrassenso, um poema jamais será uma história, e vice-versa, o que nos leva a um estudo um pouco mais profundo neste assunto.

Sobre o conceito iorubá de prosa e poesia, Olatunde Olatunji (in Afolayan, 1982:70) fornece uma breve definição:
“A distinção entre prosa e poesia iorubá não é absoluta, mas relativa. Poesia iorubá pode ser falada, entoada ou cantada, com ênfase na sua forma artística, paralelismo, jogo de palavras, repetição, contraponto tonal, combinação léxica, etc; possui itens de léxico arcaico, distorções ou divergências tonais e gramaticais, socialmente e tradicionalmente fixo em um assunto definido. A prosa iorubá, por outro lado, coloca ênfase sobre um assunto definido, o qual é individualmente escolhido conforme a linguagem comum de falar onde a inteligibilidade é primordial. Contudo, nada demais lembrar que a distinção não é absoluta. A linguagem e o ritmo da prosa, entretanto, formam a base de fundação do verso”

Na diáspora afrobrasileira a palavra ese não é usual, ficando restrita aos meios intelectuais, enquanto que ìtàn, ao contrário, é muito conhecida, mas adquiriu o conceito utilizado em português para palavra “história”; assim, arriscamos a afirmar que a palavra iorubá ìtàn está aculturada. A seguir, vamos dar alguns exemplos disso.

Pierre Verger (1972: 7, apud, Braga, 1988: 27) na transcrição abaixo, relata um encontro mensal dos babalaôs. Veja que Verger usa a palavra “história” quando está referindo-se aos versos de Ifá, percebendo-se claramente embutido o conceito europeu da palavra “história” sobre a palavra “verso” (ese). Talvez Verger nem percebeu isso.

“Este ensino constante se faz por meio da troca mútua do saber entre os babalaôs, ao longo de numerosas reuniões em que os adivinhos se encontram para discutir consultas que lhes são feitas sobre os mais diversos casos. Eles se reúnem também cada dezesseis dias em assembleias organizadas em todas as cidades, no dia do segredo (ojó awô), a cada quatro semanas, sendo a semana iorubá de quatro dias. Nessas ocasiões, após uma refeição comunal, os babalaôs relatam cantando algumas histórias de Ifá. Um dos sacerdotes conta, em solo, as estórias que são retomadas, frase a frase, pelos demais adivinhos. É nesse momento que eles exibem sua erudição. Aquele que inicia o canto tenta ofuscar seus companheiros com um relato novo e desconhecido para eles, pois se trata de uma grande glória assumir o papel de mestre e escuta-los repetir docilmente, verso por verso, uma nova história. É assim que os babalaôs presentes transmitem uns aos outros a sua ciência.”

Wande Abimbolá (1976: 43) referindo-se aos ese-ifá também utiliza o conceito inglês da palavra story, assim conceituando-os:
“Ese Ifá trata de todos os assuntos. Ele trata de historia, geografia, religião, musica e filosofia. Ese Ifá pode ser uma simples historia sobre um homem que está indo viajar e está querendo saber o que fazer para que a viajem tenha sucesso. Ele pode ser uma história altamente filosófica mostrando os méritos e deméritos da monogamia. Ele pode tratar da fundação de uma cidade. Não existe limite para os assuntos que ese Ifá pode tratar.” (Abimbola, 1976:32, apud, Abimbola, 1965:14). [o grifo é nosso]

“Ese Ifá tem uma estrutura original que o distingue de todas as outras formas de literatura oral iorubá. Uma vez que o ese Ifá é histórico em seu conteúdo, sua estrutura é também baseada sobre a sua natureza histórica.”

Juana Elbein, (1993: 149) em “Os Nagô e Morte” segue a mesma linha de pensamento de Verger e Abimbola, quando referindo-se a um extenso eléseese do Odù Osetura, assim o apresenta:
“Esta é a história de Òsetùwá tal qual é revelado pelo Odù Ifá. Diz a história como Èsù chegou a transportar todas as oferendas aos pés de Olódùmarè, fazendo aceita-las, e como Èsù se tornou Òjíse-ebo, o encarregado e transportador de oferendas, na terra e no òrun. Òsetùá é o oráculo que relata claramente o desenvolvimento desta história da maneira como segue. Diz ele:”
No mesmo livro, agora na página 171, Juana Elbein apresenta interessante registro etnográfico da tradição oral por ela recolhida em campo de pesquisa na Nigéria, o qual mostra a palavra ìtàn no primeiro verso do eléseese na própria versão original iorubá, ou seja, a língua nativa já utiliza
“história” como sinônimo de “verso”:
Odù Osetura

1. Itàan Èsù!2. Níbi tí Èsù gbé gba àgbà
[...]
Assim, do ponto de vista técnico, embora aculturada, a forma que utilizamos se faz correta, uma vez que o uso que fazemos da palavra ìtàn dentro de um ese procura atender aos conceitos da diáspora dos falantes de língua portuguesa, porém, mantendo tanto quando possível a forma iorubá tradicional na sua construção poética. Desta forma, podemos afirmar que se trata de um “poema de versos livres”.

[1] [1] O poema Òrìsà Dídá Ayé (Orixá criou o mundo) é composto por 396 ese (versos), sendo este o verso nº 1.
[2] [2] Uma coletanea de versos, um poema

Por Luiz L. Marins

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O perigo para o candomblé: extrato da entrevista de Pierre Verger para a Revista EXU.

O perigo para o candomblé: extrato da entrevista de Pierre Verger para a Revista EXU.


Luiz L. Marins
22/10/2009





Na edição de setembro/outubro de 1988, a revista EXU, publicou uma entrevista de Pierre Verger concedida a Conselheira Editorial da mesma, Myrian Fraga, com coordenação editorial de Claudius Portugal, editada pela Fundação Casa de Jorge Amado, Largo do Pelourinho, s/n, Salvador, BA.
Nesta entrevista Verger fala de sua chegada à Bahia, de seu encantamento pela cultura afro-baiana, de preconceito, de seu trabalho como fotógrafo, de início como escritor, etc., mas a resposta de Verger que fez valer toda a entrevista foi aquela que ele adverte sobre os perigos que ameaçam o candomblé.
Vamos reproduzir na íntegra a pergunta da entrevistadora Myrian Fraga e a resposta de Verger, que servirá como advertência, não só para a geração atual, como ainda para as futuras gerações, que tem buscado cada vez mais conhecimentos nos livros. Vejamos a entrevista:

[...]
MYRIAN FRAGA: E o candomblé hoje. Como o senhor o vê nesses quarenta anos, já que a Bahia foi modificada, principalmente pelo turismo?

PIERRE VERGER: O turismo é muito perigoso. Mas o que é perigozíssimo são as teorias dos intelectuais. Coisas que não têm nome, que não se justificam, que não se justificam, mas que são apresentadas com muita inteligência. São coisas muito inteligentes! Mas, inteligente, podem se dizer coisas que são estupidezas tremendas. Muito bem explicadas, mas que são completamente falsas.
Infelizmente, há recentemente coisas publicadas, que dizem exatamente o contrário do que são.
Tem uma pessoa que escreveu que é proibido agente comer as comidas que fazem parte das oferendas que se faz a um certo santo. Fez um trabalho minucioso e conseguiu a confirmação do ponto de vista que queria mostrar, mas que é completamente o reverso. Quando uma pessoa faz um trabalho com uma “hipótese de trabalho”, consegue provar qualquer coisa. E isso, porque baseou a teoria sobre a teoria de outra pessoa, da qual não quero dar nome, que escreve de maneira inteligente, mas que escreve coisas completamente estúpidas. É muito grave! O raciocínio é perfeito, mas a base é falsa. Tem muita gente inteligente que é completamente falsa. E isso é perigoso para o candomblé, porque o conhecimento do candomblé não é conseguido pela gente do candomblé de maneira didática. Nunca um pai de santo, digno de seu nome, ensina as coisas. Eles demonstram como se faz, sem explicar. Se a gente é inteligente, entende o que é.

MYRIAN FRAGA: E a utilização do candomblé, os mitos africanos, religiosos ou não, numa recriação literária? Como vê isto?

PIERRE VERGER: Eu acho que é um meio de usar os mitos africanos para a gente conhecer. Eles são de uma poesia e uma beleza muito grande. Não acho inconveniente algum, se não fizer uma deformação de caráter. Digo que há livros muito bonitos, Vasconcelos Maia, por exemplo. Se não deformar o caráter do santo, por que não.

*********

Nestes tempos de Internet, de tanto informação, contra-informação e desinformação, julguei oportuno registrar um extrato desta entrevista, para que a advertência de Pierre Verger se perpetue através dos computadores. Esta revista consta dos acervos da Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo.

[É permitida a cópia desde que cite a fonte].

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Homenagem aos homens que lutam pela religiao Afrobrasileira

Dar início a uma nova era para discussão das necessidades e carências dos quesitos religiosos e da cultura afrobrasileira, foi por Iniciativa do Nobre Deputado José Cândido e organização e escolha dos sacerdotes do Portal do Candomblé que convidamos as personalidades, autoridade e sacerdotes para serem homenageados no mês que marca o Dia Dos Pais, propositalmente escolhida esta data para expressar a importância e respeito que devem receber estes homens que lutam pela cultura e tradição das religiões influenciadas pelo ritual afro.

Difícil foi escolher entre tantos nomes ilustres que fazem parte da história do Brasil e da nossa fé, por isso que elegemos alguns que estão ao nosso lado, trabalhando diariamente e lutando contra o preconceito, discriminação e injurias confinada à nossa religião. Por isso que na data de 6 de Agosto de 2009 iremos prestar mais um serviço à comunidade religiosa que confia e espera mais do sistema.

Eu acredito que este movimento é apenas uma folha numa àrvore que tem raiz no solo brasileiro, porem sua semente é africana.

Eu acredito na igualdade dos segmentos religiosos e na tradição que cada uma segue, por isso que escolhemos vários segmentos religiosos dentro de cada cultura para poder agregar todas e demonstrar que todos são importantes e possuem valores equivalentes à tradição, que através da união e do trabalho comunitário que poderemos fazer-nos compreender e nos respeitar, mais que isso cada religioso aqui escolhido têm trabalho social, cultural e religioso na defesa da nossa cultura e patrimônio da humanidade.

Agradeço aos que estão ao meu lado trabalhando e aos que perpetraram este evento.

Profa Patricia Hauff Martins, Iya Ekedji Ogunlade, Erick Sosni, Babalorisa Vadinho de Ogun, Oyaberetemi, Angélica de Oya, Flávio de Iansã, Marcia Farro, Kika de Bessen, Ogan Rafael, Kayandewa, Ada, pai rozevaldo, entre tantos outros que me abraçaram nas horas de dor, meu especial agradecimento a meu babalorisa Kaobakessy.

Serviço
Data - dia 06 de Agosto de 2009 as 19:hs

Local - auditório Franco Montoro na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Av. Pedro Alvarez Cabral S/ nº Parque do Ibirapuera.

Eduardo Brasil - Tata Matâmoride
Relação dos Homenageados


Autoridades:
1. Álvaro Batista Camilo Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo
2. Dr. Antonio Carlos Malheiros Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
3. Antônio Ferreira Pinto Secretario de Estado de Segurança Pública
4. Edson Santos Ministro da SEPPIR
5. Hédio Silva Júnior
6. José Eduardo Oliveira Presidente do CNAB – Congresso Nacional Afro Brasileiro
7. Luis Flávio Borges D’Urso Presidente da OAB-SP
8. Luiz Antônio Guimarães Marrey Secretario de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo
9. Marco Antônio Zito Alvarenga Presidente da Comissão Antisdiscriminatória da OAB-SP
10. Antônio Ferreira Pinto Secretario de Estado de Segurança Pública
11. Otunba Adenkule Aderonmu PRINCIPE
12. Paulo Paim Senador da República
13. Renato Simões Movimento Nacional de Direitos Humanos
14. Roberto Tameilini Junior Advogado
15. Sebastião Arcanjo
16. Sinvaldo José Firmo ADVOGADO
17. Sikiru King Salami - Prof. KING
18. Ubiraci Dantas de Oliveira Vice Presidente do CNAB
19. Vicente Cândido - Deputado Estadual
20. Vicente Paulo da Silva Deputado Federal
21. Zulu Araujo Presidente da Fundação Cultural Palmares

Sacerdotes Candomblé

1. Babalorisá Alaepeoni
2. Babalorisá Alabiy
3. Áwò Akanì Ífàtokunmbo Erin Epega
4. Babalorisá Celso de Osalá
5. Babalorisá Cesar d’Osun “Iyamife”
6. Babalorisá Erick de Osala
7. Babalorisá Eduardo de Logunede
8. Babalorisá Flávio de Osossi
9. Babalorisá Flávio de Iansã
10. Babalorisá Francisco d’ Osun
11. Babalorisá Gladston ti Inlé
12. Babalorisá Gilmar d’Ogun
13. Babalorisá Jamil Rachid
14. Babalorisá João Batista M de Souza de Aira
15. Babalorisá José Carlos de Ibualamo
16. Babalorisá Karlito de Oxumare
17. Babalorisá Kaobakessy
18. Babalorisá Kilombo de Omolu
19. Babalorisá Lilico d’Osun
20. Babalorisá Loagikaceny
21. Babalorisá Marcelo Fomo de Logunede
22. Babalorisá Nenen de Obàtálá
23. Babalorisá Obasoji
24. Babalorisá Ogun Dimoloko
25. Babalorisá Paulo de Ode “Odemutakeregi”
26. Babalorisá Pérsio de Sangó
27. Babalorisá Rodney de Osossi
28. Babalorisá Rozevaldo de Osumare
29. Babalorisá Sidnei de Sango
30. Babalorisá Tinho de Ode
31. Babalorisá Vadinho do Ogun
32. Babalorisá Valter Logun Ede
33. Hungbono Jeferson de Azansu
34. Tat’etu Alabure
35. Tata Alamussangi de Lembarenganga
36. Tata Gil de Malé
37. Tata Katuvanjesi
38. Tat’etu Koneji
39. Tat’etu Nzaziankembu
40. Ogan Rafael de Obaluaye

Umbanda

Pai Alfredo Scheibel Junior – “Júnior de Xangô”
Pai Anderson Artur Dezen
Pai Carlinhos d’Oxum
Pai Edson Ludugero
Pai Guimarães do Ogum
Pai Juberli Varela
Pai José Valdivino
Pai Joãozinho Sete Pedreiras
Pai Marcos Roberto de Haro Azinar
Pai Milton Aguirre
Pai Roberto Carlos Zangrande
Pai Ronalde Linares
Pai Ronald de Ogun
Pai Osvaldo Trajano
Pai Olinto Nunes de Souza
Babalaô Anísio de Oxalá
Babalorisá João Roberto Dominicale de Ogun
Sacerdote Obashanan – William de Airá

Mesa

1. Iyalorisá Ada de Omolu
2. Iyalorisá Kayandewá
3. Iyá Ekedji Ogunlade
4. Dra. Tallulah Kobayashi de Andrade Carvalho
5. Maria Aparecida Nalessio
6. Deputada Federal Janet Rocha Pietá
7. Senadora Fátima Cleide
8. Major Suzuki
9. Doné Kika de Bessen

Enviado por Eduardo Brasil

sábado, 25 de julho de 2009

Tópicos a ponderar sobre o "Plenária livre Segurança"

Caros amigos e parceiros deste blog, teve-se inicio um movimento em prol a nossa cultura, porem discordo de alguns pontos quero expor abertamente a todos para que possam opinar e ou até mesmo assinar tal movimento, enviando criticas e sugestões.
Ao referido segue em vermelho minhas resenhas sobre alguns parágrafos;

Diretriz do trabalho:- Fim do genocídio físico e cultural:
Eu não acredito que seja um genocídio físico e cultural que esteja acontecendo, pelo fato da palavra genocídio ser um substantivo masculino.
Que significa - Crime contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus; causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de o destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo.
Claro que não é esta a realidade nacional, a cultura afro sobre com o descaso e ignoto, fato que nosso sistema elege leis que não são aplicadas aos nossos templos, dificilmente são reconhecidos como templos, basta ver as atrocidades que vemos diariamente. Porem apesar disso ainda sobrevivemos ao desastre, e fica claro que em parte a culpa se dá pelos próprios adeptos e sacerdotes que desconhecem seus direitos e caminhos legais.
E nunca a cultura afro esteve tão em evidencia, devemos certo credito a Verger e mais alguns adeptos que forneceram material visual e cultural para que pudéssemos sobreviver e andar pelas ruas com a cabeça erguida. Claro que a intolerância gerada pela ignorância e incompreensão dos adeptos das religiões que não entendem nossa fé, às vezes ultrapassa os limites, porem jamais poderemos trazer a luz com guerras travadas.
Para isso seria preciso mais que assinaturas e meras passeatas, existem a necessidade dos seus adeptos também reciclarem seus conceitos e atos, pois não basta cobrar posturas dos demais, todos precisam se portar corretamente e fazer a sua parte. Quem sabe começando a mudar o sincretismo que existe nas imagens de Exu e Pomba gira , talvez seja este um caminho a seguir para demonstrar que a religião afro não é o que pregam...
Veja a imagem ao lado a representação dos exus e pombagiras, depois repensem como os leigos enchegam tais entidades...

De jovens e adultos das comunidades empobrecidas e dos jovens negros.
Acredito que não somente os jovens negros que sofram com a realidade atual, devemos levar em consideração a população inteira, pois no nosso Brasil possuímos mais jovens carentes alem dos jovens negros.

E não a maioridade penal aos 16 anos.
Eu não concordo, pois o jovem quer votar aos 16 anos, quer ter seus direitos e quem sabe até pegar sua habilitação mais cedo, e não quer responder pelo que faz? Quer dizer então que o jovem pode matar, traficar e roubar que ao fazer 18 anos sua ficha está limpa, sendo assim o crime irá abusar cada vez mais do pré adolescente.

Eixo numero- 01- Gestão Democrática: Controle Social e Externo Integração e Federalismo.
Foram apontadas as seguintes INDICAÇÕES ao Executivo.

1 - Criação de uma agência reguladora de segurança pública, privada e de política para área nacional de segurança que tenha a presença no conselho da sociedade civil em numero igual ao de membros do governo.
Antes de criar algo precisa saber o que irão proteger a população ou a religião, pois órgãos têm vários, mas o que fazem mesmo pela religião????

2 – Inserção efetiva e institucionalizada de apoio ao NAFRO e PMS do Axé.
3 – Cumprimento da Constituição da República no artigo 5º onde a força policial deixe de invadir as comunidades de terreiro e respeite-nos como tradição religiosa de fato e de direito, inclusive protegendo nossos espaços religiosos, como acontece nas celebrações litúrgicas de outras denominações.
A polícia está para nos proteger e não para invadir sem motivos um templo, por isso existe a corregedoria da policia para auxiliar a população e a própria policia.

4- Implementação em nível nacional das Delegacias de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância- DECRADI, bem como apoio logístico e tático para que as denuncias cheguem ao judiciário de forma rápida e eficaz.

Eixo 05 – Prevenção Social do Crime e das Violências e Construção da Cultura de Paz.
Foram apontadas as seguintes INDICAÇÕES ao Executivo.

01 – Garantia efetiva do comprimento da Constituição no que tange as liberdades religiosas, para as tradições de matriz afro brasileira, bem como a isonomia do Estado, nos presídios, e em todo aparato público.

02 - Garantia efetiva do comprimento da Constituição no que tange as liberdades religiosas, para as tradições de matriz afro brasileira, bem como a isonomia do Estado, nos quartéis e em todo aparato público.

03 – Garantia efetiva do cumprimento da Constituição da República em especial ao seu artigo 5º com o fim da discriminação de raça, opção sexual, e religiosa em todos os setores do Estado, tais como delegacia, presídios, fóruns.
Mas se até mesmo dentro da própria religião existe discriminação como cobrar de um órgão algo que não existe controle nem mesmo dentro da própria estrutura, para isso seria necessário primeiro as instituições religiosas se entenderem no assunto antes de poder bater a porta de alguém....

04 - Que o sistema prisional do Brasil invista em novas formas de controle de segurança (como os vistos nos aeroportos) para por fim ao processo vexatório que as mulheres são submetidas em revistas nos presídios do país.
Concordo plenamente, bastaria implantar Raio x para ver o que algumas levam nas cavidades do corpo.
05 – Que as Comunidades de Terreiros possam ser capacitadas para receber, orientar, as pessoas em situação de risco eminente de morte.
Para isso seria preciso começar educando os sacerdotes que para a maioria descende de regiões e famílias humildes, o que as vezes nem possuem segundo grau, o governo deveria e poderia ajudar mais.

06 - Que o Estado reconheça as Comunidades de Terreiros como uma religião de fato e de direito, respeitando seus templos, assim como respeitam as igrejas do País.
Concordo mas isso é um sonho dourado que não faz parte dos interesses políticos, pois não sabem do poder que existe na massa da religião o dia que seus adeptos não se envergonharem de serem o que são e não usarem o sincretismos para disfarçar sua fé, quem sabe neste dia o senso será verdadeiro

Sendo só o que em compete relatar. Em anexo a lista de presença dos cidadãos e cidadãs que compuseram o fórum.
São Paulo, 24 de julho de 2009.
Pela Coordenação
Tata Matâmoride
adm@portaldocandomble.pro.br
(11).5539-0954 – (11)8559-2722
Secretaria
Mãe Angélica e Oya
angelicadeoia@bol.com.br
11-9211-0685

Por Erick Wolff8

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Mostra Cultural Afro Bauruense

Exposições de esculturas, fotografias e telas, além de palestras, debates e exibição de vídeos integram a programação da “Mostra Cultural Afro Bauruense”, aberta hoje. Realizada pelo Conselho Municipal da Comunidade Negra, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (SMS), o evento está em sua sexta edição e segue com atividades até o dia 2 de agosto. A abertura oficial da mostra, intitulada “Promoção da Igualdade Social”, será às 19h30, na galeria Angelina Messenberg, no Centro Cultural.

Na exposição, composta por trabalhos de artistas das cidades de Bauru e Jaú, o público poderá encontrar diversos artigos que trazem referências à cultura dos afrodescendentes e também dos povos indígenas e ciganos. “Coletamos os materiais por cerca de três meses. Todos trazem alguma coisa a respeito dos hábitos e cultura desses povos”, comenta Ademir Elias, presidente do conselho.

Depois da abertura - que contará ainda com apresentações de danças indígenas, árabe, cigana e afrojazz, além da exibição de um vídeo sobre a história do continente africano - a programação da mostra segue com palestras e debates, realizadas até o dia 30, sempre às 19h30

Serão exibidos os filmes “Um Mergulho na Causa Negra”, do ator e diretor diretor Zózimo Bulbul, um dos ícones negros dos anos 1960; e “Atlântico Negro A rota dos Orixás”, de Renato Barbieri, que retrata a importância do continente africano na construção da sociedade brasileira.

O evento conta ainda com palestras: “Intolerância Religiosa”, com Ricardo Barreira, presidente do Instituto Sócio Cultural Umbanda Fest; e “Dança de Transe nos Rituais Místicos do Norte da África”, com a professora Márcia Nuriah, além de mesa-redonda com lideranças negras para discutir o Estatuto da Igualdade Racial, Racismo, Homofobia.

As atividades complementares à exposição visam discutir, a partir das realidades local e regional, um País mais justo, sob o ponto de vista das relações étnico-raciais. “Com os vídeos e palestras, queremos despertar as pessoas para o debate dessas questões. E serão discussões bem localizadas onde será possível fazer um panorama da região”, considera Elias.

Abertura da 6.ª “Mostra Cultural Afro Bauruense” hoje, às 19h30, no Centro Cultural (avenida Nações Unidas, 8-9). Exposição até o dia 2 de agosto, aberta à visitação de segunda a sexta, das 8h às 18h. Mais informações pelo telefone (14) 3235-1193

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cultura afrobrasileira autentica?

O que vemos hoje em dia da cultura afrobrasileira é original?
Esta é a realidade imposta pela cultura branca filtrando o que devemos ou não absorver?
Perco meu sono tentando entender o porque querem mesmo fazer sincretismo, será que a religião necessita mesmo beijar a mão do padre na igreja para tocar a sua macumba nos terreiros de chão batido, que já é tão raro na atual sociedade... O oriṣá negro deixa a prateleira para dar espaço às estatuas dos santinho arianos.
Quando será que a população irá despertar que o pobre é pobre seja ele branco ou negro e ambos possuem os mesmo direitos de ajuda... Sem distinção numa sociedade que preserva sua cultura com muito sacrifício, homenagear a áfrica através dos santos católicos, vai entender.... Mas acreditem é esta a realidade de alguns orientadores espirituais...
Sou de Oṣala, o senhor do Alá branco, raiz nago, meu oriṣá é o rei de Ijeṣa, quem eu cultuo há mais de 27 anos, rendo minhas homenagens a ele, Àjọ̀dun ìbọri mi jẹ́, ojo kokan le logún, oṣú keje odún ( meu aniversario de bori é 21 de junho)
Oforibale obokun olori mi

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A NAÇÃO KABINDA-NAGÔ E OS COSTUMES YORUBÁ: semelhanças e tradições no Brasil

Foi por volta do começo do século XIX, que o aculturativo entre os Nàgó e os Jeje se fortificou, com a participação dos lideres religiosos das duas culturas em movimento da resistência anti-escravatista.

Os candomblés ou Batuques eram no começo do século passado, centros de reunião dos Nàgó, com forte influência Islâmica, que aqui viviam como Jeje, Hauças, Gruncis, Tapa e os descendentes do Congo e Angola Costa.

Foi através da Iyáloriṣá Aninha que se firmou como primeiro terreiro Nagô na Bahia, fundado na pureza dos Nagô. Que apesar de assimilarem divindades Jeje (Vodoun) e Nàgó (oriṣá, orixás ou òrìṣà) a Iyáloriṣá deu inicio a uma nova vertente religiosa no Brasil. Em contra partida, se fundava no Sul do País, a nação chamada de Batuque, com quatro vertentes religiosas que tiveram inicio na mesma nesta mesma época e com estruturas religiosas semelhantes.

Duas teses tiveram como ascendente à vertente Kabinda-Nàgó do Rio Grande do Sul, por falta de conteúdo e ou registros históricos que atestem sua origem logo se imaginaria como sendo uma nação oriunda de Angola. Foi buscando a origem da Cabinda (Bantu), que nada mais é do que uma das 18 províncias da República de Angola, que percebi que existiam pontos importantes para se analisar e pesar. Porem mais tarde estudando a linhagem da palavra Kamuka ficou claro que segundo a cultura Bantu, esta palavra traduzida Kamuka refere-se a um ritual fúnebre, ou seja, um funeral. 

Até então poderíamos fazer a relação com o culto Kabinda do Batuque e seus rituais de passagem nos caminhos de Egun. Porem, para que realmente isso ocorresse, Kabinda deveria estar ligada ao culto dos ancestrais especificamente e não ao culto dos Oriṣá, deixando de lado o culto às divindades Yorubá e indo direto para o culto Bàbá-Ègún, novamente isso não seria possível, pois, cairíamos outra vez nos costumes e rituais Yorubá e não Bantu. 

Contudo, ao se deparar com a tradição Bantu não encontramos características que possam alimentar referida tese, sendo claro que Nzaze o Nkissi da justiça, o rei que traz abundância ao seu povo, porem, odeia Fu kia fuíla (morte), é aquele que desaparece do Abaçá (barracão) quando ela (Fu kia fuíla)  o ronda, pois, quando morre algum membro do Abaçá, o costume é suspender todos os atos, e se tiver algum Ìyáwó recolhido o mesmo permanece, porem as  obrigações são suspensas, parando tudo e prepara-se o Ntambi (Sirrum, Aṣeṣe, ETC.), que apenas ao termino dos rituais fúnebres é que se dará a Muzenza (saída do Yawó).

Quebrando assim a ligação do rei Kamuka da nação Kabinda-Nàgó com a cultura Bantu, a partir do momento que os rituais são diferentes dos costumes religiosos deste povo.

Veja o significado da palavra kamuka e o derivado kamukando
Kamuka: desfalecer, morrer. (dicionário kikongo)
Kamukando: funerais (dicionário kikongo)

Seguindo o preceito do ritual da nação Kabinda-Nàgó e seus vínculos com os ancestrais é que poderemos perceber bem como assimilar a justaposição com o povo Yorùbá.

Entre as várias pesquisas de estudiosos e adeptos da Kabinda–Nàgó, as mesmas sempre focaram a busca e o vinculo com o povo Bantu, porem nada que se pudesse atestar sua existência.  Assim se verificarmos o nome e qualidade da divindade em questão, poderemos notar a influência da língua Yorubá = Kamuka = Baruolofina (suponho que seja Baru Olofina), Aláààfin de Oyó.

Algo curioso, pois, dificilmente encontraremos entre os nomes das divindades o seu título, levando em consideração a dificuldade linguística e cultural do século XIX, o que ajudou a perder alguns itens como no caso do Rei da nação Batuque, raiz Kabinda-nàgó, que dificilmente será encontrado algo sobre esta divindade fora desta raiz Kabinda, e mesmo que assim o fosse, nada que possa atestar de concreto à sua origem Bantu, pela falta de registros que atestem a existência da divindade.

Seguindo a possibilidade deste Aláààfin partir de Oyó, pois suas características estão presentes no próprio culto, bem como na sua feitura, tendo sido assimilada pelo povo do batuque em seus rituais, onde surgem as quatro vertentes batuqueiros Jeje, Oyó, Kabinda e Ijexá.

As características deste Aláààfin poderão ser notadas na inversão do próprio nome para sua qualidade; v.g. Kamuka – Baruolofina / Baru olafin – Kamuka; apesar de ser apenas uma suposição, não deixa de ser uma clara ligação com o povo de Oyó, com o culto da nação Kabinda-Nagô ligado ao culto dos ancestrais.

Outro ponto a se analisar, é a confirmação do culto de Ègúngún dentro dos  rituais classificados pela Kabinda-Nàg', do batuque, sendo que ela é a única nação do Rio Grande do sul que antes de começar qualquer ritual de feitura, é costume reverenciar os antepassados, características exclusivas dos Kabindeiros, sendo este ritual tão diferente das demais vertentes religiosas afro-gauchas. 


 “A iniciação do Aláààfin
O novo Obá (rei) escolhido após fazer sacrifícios e banhos purificatórios, ficará recluso em um quarto provisório chamado Ipádi, recebendo instruções reais. A coroação do novo Aláààfin acontece 3 meses após a morte do antigo rei, na terceira lua nova, para ser mais exato. O ato da coroação ocorre em várias etapas durante vários dias.
Chegado o tempo, ele sairá do Ipádi e a sua primeira parada será em um local chamado abátá, em frente ao palácio real onde ele deverá trocar de roupas passando a usar roupas reais, sendo aclamado pelos súditos.
A segunda parada será na casa do Aláàpíni, o grão-sacerdote do culto dos  Egungun (ancestrais), que o reconhecerá como novo rei.
Em seguida, ele deverá visitar o Bàrà, consagrado Mausoléu Real construído na periferia da cidade, que fica aos cuidados da Iyámondè, sacerdotisa celibatária encarregada de cultuar e zelar pelos assentamentos dos reis mortos.
O novo Aláààfin visitará os túmulos de seus ancestrais e assim receberá a autorização para usar o adé (corôa), realizando nesta ocasião diversos sacrifícios. Ao terminar, ele deverá retornar ao Ipádi, seu quarto provisório.
Cinco dias após, ele deverá ir ao templo de Sàngó, em Kòso, e ali o novo Aláààfin é formalmente coroado, e um colar de contas chamado èjìgbà é colocado em seu pescoço.  Ao fim da cerimônia, ele retornará ao Ipadi, pois os atos ainda não estão completos.
Novamente cinco dias após, ele deverá ir até o templo de Oranyan, onde a espada de Oranyan, espada da justiça (idájó) será colocada em suas mãos, retornando ao ipádi.
Outra vez cinco dias após, ele deverá ir ao templo de Ògún para realizar sacrifícios, entre eles, um carneiro e um cachorro. Após isto ele retornará ao Palácio Real, mas desta vez entrará pelo portão principal e não se alojará mais no ipádi, mas sim, em outro comodo real previamente preparado e sacralizado com sacrifícios para a guarda do novo Aláààfin.
Ao novo rei será proibido aparecer em público, exceto durante as festividades anuais.”
¹

Se distanciando dos cultos das religiões dos candomblés e religiões-afros tradicionais, com seus rituais que não envolvem esta prática, ou quando existe é apenas  para os rituais fúnebres.

Diferente das demais culturas afro o Igbá do Bori é extremamente importante para dar continuidade ao ritual de Aṣeṣe, pois ao iniciar o ritual fúnebre, mais conhecido no sul por missa de Ègún ou Aressun, o Bori tem uma função importante para dar o “start” ao ritual fúnebre.  Desta forma prepara-se o elegun para o rito de passagem da vida para o mundo dos mortos.

É notório que o grande avatar e rei da nação Kabinda conhecido pelo nome de Kamuka, é cultuado somente dentro da Kabinda, as demais vertentes do batuque não rendem homenagens ou culto a esta divindade, que por sinal poucos Kabindeiros se rendem a comentar sobre esta divindade, ritual ou procedimento de trato. Criando um tabu ao redor do culto e do rei da nação (kamuka), jamais pronunciando seu nome ou tirando suas cantigas em qualquer lugar.


O Aláààfin Kamuka, assim cultuado no sul, abre uma possível porta para entender o pacto dele com os  Egun e o Igbàlẹ̀, prática ritualística no culto da Kabinda, tendo inicio no ritual ao saudar e reverenciar os ancestrais antes de qualquer cerimônia, ponto crucial para o inicio do ritual de iniciação, ficando a cargo de cumprimentar primeiro Kamuka no Igbàlẹ̀ e os ancestrais, pedindo permissão para poder cortar uma ave ou até mesmo um animal de quatro pés para a feitura.

Algo interessante que necessário se faz mencionar é que o povo da Kabinda-Nago, é a única nação que quando está em processo de iniciações ou assentamentos de Oriṣá, caso venha a falecer algum iniciado que pertença à família religiosa, a obrigação não irá se perder, caso a casa tenha feito o devido corte com equivalência de bichos oferecidos para angò. Claro que este procedimento ocorre apenas dentro do culto à referida Kabinda-Nàgó, pois qualquer outra religião afro-brasileira caso venha a falecer alguém da família durante uma obrigação arriada, perde-se toda a obrigação invalidando a feitura. “E deve-se despachar tudo que foi feito sem aproveitar nada”.

Um costume nas casas mais antigas Kabindeiras é o Entoto no meio do salão, onde dentro dele são feitas seguranças e assentamentos para Kamuka, uma das únicas vezes que esta divindade é trazida para dentro do Ilé. No entanto este ritual quase não é mais praticado nos tempos atuais.

Outro item importantíssimo é a língua usada dentro do ritual, pois toda a ritualística segue a língua Yorubá, até mesmo os Orins do Kamuká. Caso fosse um nkissi, seria muito clara a influência  Bantu entre os rituais da Kabinda, ficando assim mais uma vez enfraquecida a busca nas origens da cultura Bantu. Mesmo assim não podemos afirmar com precisão, pois até mesmo as rezas sofreram mutilações durante a passagem dos anos.
Apenas podemos ter certeza que ele é uma divindade Yorubá, pois seu Orukó carrega uma segregação do titulo do Aláààfin, como está claro em seu Orin;

Alárun dé Sàngó kámùka Bàbá obá olòfinà ti Sàngó kámùka

Outro fator que nos leva ao povo Yorubá é menção do Adóṣù (um elemento Yoruba que faz parte do ritual de feitura). Que mesmo não sendo usado nos rituais atuais ele é mencionado durante o Sirè dos Orisás, justo na reza da Iyá Yemanjá, a dona das cabeças;

Adòṣù mò gbé' ke ara orò adòṣù mò gbé' ke ara sé Sun (o iniciado que carrega na sua cabeça um " Adóṣù" reconhece o sagrado que vem do alto e a família espiritual, o iniciado reconhece a elevação que vem do céu, recebendo a família).

Um única dúvida que me fez iniciar esta matéria foi a etimologia da palavra Kabinda, por ela não possuir correlação com o povo Bantu. Então qual seria a origem da mesma?
Será que poderia ser alguma corruptela do povo Ketu, ou quem sabe a origem correta da palavra perdida? 

kábíyèsílẹ nda Kamuka” (fazendo saudação ao Rei Kamuka)

¹Tradução - Luiz Marins.
Texto - ABRAHAM, R. C.  Dictionary of Yoruba Modern, London, Houder & Stoughton, 1962 [1946].
JOHNSON, Samuel. The History of the Yorubas, London, Routledge & Kegan Paul, 1973 [1921]
Crédito:
Texto- Erick Wolff∞
Edição RobertoTamelini Jr.

Agradecimentos pelo apoio e incentivo - Luiz Marins

domingo, 22 de março de 2009

Logun Ede o principe de Ilesá

"Erinlè teria tido, com Oxum Ipondá, um filho chamado Lógunède (Logunedé), cujo culto se faz ainda, mas raramente, em Ilexá, onde parece estar em vias de extinção."
Do livro "Orixás - Pierre Fatumbi Verger - Editora Corrupio"

No brasil logunedé, conhecidíssima divindade que divide seu estado neste mundo entre a caça no meio da mata e a comer peixes sob as águas dos rios, pois sendo filho do caçador e de òsún.
Ele n suporta a cor vermelha e nem mesmo marrom.

Hoje, na Nigéria, a mais rica cidade chama-se Ilesa, e é a cidade de Logun Ede, que para muitos é metade homem e metade mulher, o que não é verdade. Logun Ede é um santo único, um Orixá rico que herdou tanto a beleza e agilidade do pai quanto a beleza e riqueza da mãe. Em Ilesa, uma das cidades mais prósperas da África, encontra-se o palácio de Logun Ede.

Itan
...oxum ipondá e erinlé

Um dia Oxum Ipondá conheceu o caçador Erinlé e por ele se apaixonou perdidamente. Mas Erinlé não quis saber de Oxum. Oxum não desistiu e procurou um babalaô. Ele disse que Erinlé só se sintia atraído pelas mulheres da floresta, nunca pelas do rio. Oxum pagou o babalaô e arquitetou um plano: Embebeu seu corpo em mel e rolou pelo chão da mata.
Agora sim, disfarçada de mulher da mata, procurou de novo seu amor.

Erinlé se apaixonou por ela no momento em que a viu. Esquecendo-se das palavras do adivinho, Ipondá convidou Erinlé para um banho no rio. Mas as águas lavaram o mel de seu corpo e as folhas do disfarce se desprenderam. Erinlé percebeu imediatamente como tinha sido enganado e abandonou Oxum para sempre.

Foi-se embora sem olhar para trás. Oxum estava grávida; deu à luz a Logun Edé.

Logun Edé é a metade Oxum, a metade rio, E é metade Erinlé, a metade mato. Suas metades nunca podem se encontrar.
Ele habita num tempo o rio e noutro o mato. Com o Ofá, arco e flecha que herdou do pai, ele caça. No abebé, espelho que recebeu da mãe, ele se admira.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

LENDA DE OTIN



"Otim esconde que nasceu com 4 seios"

 
Oquê, rei da cidade de Otã, tinha uma filha. Ela nascera com 4 seios e era chamada de Otim. O rei Oquê adorava sua filha e não permitia que ninguém soubesse de sua deformação. Este era o segredo de Oquê, este era o segredo de Otim. Quando Otim cresceu, o rei aconselho-a a nunca se casar, pois um marido, por mais que a amasse, um dia se aborreceria com ela e revelaria ao mundo seu vergonhoso segredo. Otim ficou muito triste, mas acatou o conselho do pai. Por muitos anos, Otim viveu em Igbajô, uma cidade vizinha, onde trabalhava no mercado. Um dia, um caçador chegou ao mercado, e ficou tão impressionado com a beleza de Otim, que insistiu em casar-se com ela. Otim recusou seu pedido por diversas vezes, mas, diante da insistência do caçador, concordou, impondo uma condição: o caçador nunca deveria mencionar seus quatro seios a ninguém. O caçador concordou, e impôs também sua condição: Otim jamais deveria por mel de abelhas na comida dele, porque isso era seu tabu, seu euó.


Por muitos anos, Otim viveu feliz com o marido. Mas como era a esposa favorita, as outras esposas sentiram-se muito enciumadas. Um dia, reuniram-se e tramaram contra Otim. Era o dia de Otim cozinhar para o marido; ela preparava um prato de milho amarelo cozido, enfeitado com fatias de coco, o predileto do caçador. Quando Otim deixou a cozinha por alguns instantes, as outras sorrateiramente puseram mel na comida. Quando o caçador chegou em casa e sentou-se para comer, percebeu imediatamente o sabor do ingrediente proibido. Furioso, bateu em Otim e lhe disse as coisas mais cruéis, revelando seu segredo: "Tu, com teus quatro seios, sua filha de uma vaca, como ousaste a quebrar meu tabu?"A novidade espalhou-se pela cidade como fogo. Otim, a mulher de quatro seios, era ridicularizada por todos.Otim, fugiu de casa e deixou a cidade do marido voltou para sua cidade, Otã, e refugiou-se no palácio do pai. O velho rei a confortou, mas ele sabia que a noticia chegaria também a sua cidade. 

Em desespero, Otim fugiu para a floresta. Ao correr, tropeçou e caiu. Nesse momento, Otim transformu-se num rio, e o rio correu para o mar. Seu pai, que a seguia, viu que havia perdido a filha. Lá ia o rio fugindo para o mar. Querendo impedir o Rio de continuar sua fuga, desesperado, atirou-se ao chão, e, ali onde caiu, transformou-se em uma montanha, impedindo o caminho do rio Otim para o mar.Mas Otim contornou a montanha e seguiu seu curso.Oquê, a montanha, e Otim, o rio, são cultuados até hoje em Otã. Odé, o caçador, nunca se esqueceu de sua mulher.

 Fonte: "mitologia dos Orixás" - Reginaldo Prandi

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Xorokwé


Pai José Bispo dos Santos ou Bobó de Iansã veio de salvador Bahia, se não me engano e se instalou primeiro no rio de janeiro, dono do ilé - Ilê Oyá Mesan Orun.

Mais tarde ele veio para SP, trazendo como xorokwé, como era de costume sempre dizia que de osé no igba de exu do xorokwé, e assim foi que nasceu o ògún xorokwé.
(História contada por tata Matâmoride, filho de Kaobakessy.)

Saiba mais sobre o exú (orixá)
Xorokwé foi um guerreiro e feiticeiro, que devo ter lido em algum itãn de ifá, que dizia quem foi, ele se assemelha a exu. Que não é ògún, sendo que Xorokwé começou a ser cultuado como exú entre o povo do Candomblé, o exu e ògún, pois ele é extremamente esperto, bruto e malvado, ligado a torturas e sem piedade alguma. Difícil de lidar e cuidar, do tipo enquanto ògún é guerreiro e luta com honra, o vodun xorokwé, não tinha isso, ele passaria por cima de todos e tomaria as medidas conforme quisesse sem levar em consideração trazer escravos, mataria a todos da pior forma possível, do tipo sangue nos olhos.
Para ter ideia da sua personalidade, se não lhe agrada o que lhe foi ofertado ele pune seus filhos com desgraças.

Sua cor é azulão com vermelho.
Por isso pouco mexiam com ele, por falta de maior esclarecimento quem sabe ele pulou do jeje mahi para angola, sendo cultuado como orixá dentro da angola e mais tarde no ketu.Hoje ele é cultuado na angola e ketu como todos sabem, um meta - meta, mas sua origem é outra.
(História contada por tata Matâmoride, filho de Kaobakessy.)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Iyewà a bela mulher

Iyewà é o Òrìsà da alegria, do belo, dos cantos, da vida e das belezas que a vida nos da.


Iyewá é quem rege todas as mutações, seja elas orgânicas ou inorgânicas; é o Òrìsà responsável pela mudança das águas, de seu estado sólido para gasoso ou vice-versa. Ela é quem gera as nuvens e chuvas: quando olhamos para o céu e vemos as nuvens formando figuras, pois ali esta IYewá, dando diferentes forma. Iyewá é responsável pelo ciclo interminável de transformação da água em seu diversos estados. Ela esta ligada às mutações dos vegetais e animais; ela esta ligada às mudanças e transformações, seja brusca ou lentas; IYewá é o desabrochar de um botão de rosa, ela é uma lagarta que se transforma em borboleta, ela é a água que vira gelo e o gelo que vira água, ela quem faz e desfaz. Iyewá é a própria beleza contida naquilo que tem vida é o som que encanta, é a alegria, é a transformação do mal para o bem: enfim Iyewá é a vida.


Yemoja Tuman/Aynu/Iewa = sobre o mar a névoa das águas (azul claro e branco 1 x 1)

Seu dia é o sábado,
Branco com azul claro
Sua saudação é HIHÓ(RIRRÓ)!
Sua comida canjica branca em cima vai uma cobra feita de batata doce com olhinhos vermelhos e lingua.


Lenda
Iyewá era caçadora de grande beleza, que cegava com veneno quem se atrevesse a olhar para ela. Iyewá casou com Omulu, que logo demonstrou ser marido ciumento. Um dia, envenenado pôr seu ciúme doentio, Omolu desconfiou da fidelidade da mulher e a prendeu em um formigueiro. As formigas picaram Iyewá quase até a morte; e ela ficou deformada e feia. Para esconder sua deformação, sua feiúra, Omolu então a cobriu com palha-da-costa vermelha. Assim todos se lembrariam ainda como Iyewá tinha sido uma caçadora de grande beleza.

Arquétipo
Os regidos pôr Iyewá são pessoas extremamente alegres, adoram cantar, dançar e aproveitar no máximo tudo que a vida pode lhes oferecer de bom. São pessoas generosas e bondosas, adoram novidades, são criativas. Porem um pouco volúveis e facilmente mudam de opinião e pensamentos, principalmente com um assunto novo em sua vida. São pessoas que estão sempre modificando as coisa e situações, pois detestam rotina. Além disso são geralmente pessoas dotadas de muita beleza, externa e interna.

xe te xe da
ewá ewá oju ewá


ie ie lepake lemã,
ie ie doco lodo.

Nanã Burukun


Nanã proprietária de um cajado.

Nanã Burukun = muito velha cultuada entre as Yemonjas, em algumas casas, mas não é uma yemanjá, veja quem é e as qualidade de nanã.

Nanã salpicada de vermelho, suas roupas parecem banhadas em sangue, orixá que obriga o fon a falar nagô (ketu). Água parada que mata derrepente, ela mata uma cabra sem usar faca.

É considerada "orixá mais antigo do mundo". Quando orumilá chegou aqui para frutificar a terra, ela já estava. Nanã desconhece o ferro por trata-se de um orixá da pré-história, anterior a idade do ferro. O termo nanã significa raiz, aquela que se encontra no centro da terra.

Arquétipos:
São conservadores e presos aos padrões convencionais estabelecidos pelos homens. Calmos, as vezes mudam rapidamente de comportamento, tornando-se guerreiros e agressivos; quando então, podem ser perigosos, o que assusta as pessoas. Levam seu ponto de vista ás últimas conseqüências. Quando mãe são apegadas aos filhos e muito protetoras. São ciumentas e possessivas. Exigem atenção e respeito, são pouco alegre e não gostam de muita brincadeiras.
São majestosos e seguros nas ações e procuram sempre o caminho da sabedoria e da justiça.

Itãns:
Nanã era esposa de ogum e ocupava o cargo de juíza no daomé. Só julgava os homens, sendo muito respeitada pelas mulheres que eram consideradas deusas.
Ela morava numa bela casa com jardim. Quando alguém apresentava alguma reclamação sobre seu marido, ela amarrava a pessoa numa arvore e pediu aos eguns para assustá-la.
Certa noite, yansan reclamou de ogum e ele foi amarrado no jardim. A noite, conseguiu escapulir e foi falar com ifá. A situação não podia continuar e, assim, ficou acertado que oxalá tiraria os poderes de nanã. Ele se aproximou e ofereceu a ela suco de igbin, um tipo de caramujo. Ao beber o preparado, nanã adormeceu. Oxalá então vestiu-se de mulher e, imitando o jeito de nanã, pediu aos eguns que fossem embora de seu jardim para sempre.
Quando nanã acordou e percebeu o que oxalá tinha feito, obrigou-o a tomar o mesmo preparado de igbin e seduziu o orixá. Oxalá saiu correndo e contou para ogum o que havia acontecido. Indignado, este cortou relações com nanã. E é por isso que nas oferendas a nanã não é usado nenhum objeto de metal.
Uma outra lenda registra que, numa reunião, os orixás aclamaram ogum como o mais importante deles e que nanã, não se conformando em ser derrotada por ele, assumiu que não mais usaria os utensílios de metal criados pelo orixá guerreiro (escudos e lanças de guerra, facas e setas para caça e pesca). Por isso, que ela não aceita oferendas em que apresentem objetos de metal.

Outro Itãn
Em sua passagem pela Terra, foi a primeira iyabá e a mais vaidosa, em nome da qual desprezou seu filho primogênito com Oxalá, Omulu, por ter nascido com várias doenças de pele. Não admitindo cuidar de uma criança assim, acabou abandonando-o no pântano. Sabendo disso, Oxalá condenou-a a ter mais filhos, os quais nasceriam anormais (Oxumarê, Ewá e Ossaim), e a baniu do reino, ordenando-lhe que fosse viver no mesmo lugar onde abandonou seu pobre filho, no pântano.

Itãn de nanã
Nana fornece a lama para a modelagem do homem

Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra ainda a tentativa foi pior. Fez de fogo e o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até vinho-de-palma, e nada. Foi então que Nana veio em seu socorro, apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá retirou uma porção de lama.
Nana deu a porção de lama a Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde morava ela, a lama sob as águas, que é Nana.
Oxalá criou o homem, o modelou no barro, com um sopro de Olorum ele caminhou, com a ajuda dos orixás povoou a terra. Mas tem um dia que o homem morre e seu corpo tem que retornar à terra, voltar à natureza de Nana Buruku.
Nana deu a matéria no começo, mas quer de volta no final tudo o que é seu.

Qualidades;

Obáíyá = é um Òrisà ligado a água, a lama e aos pântanos. (lilás escuro com azul)
Ajàosi = é uma Nàná guerreira e agressiva que veio de Ifé, e confunde-se às vezes com Obá. É uma divindade das águas doces, e que se veste de azul com vermelho. (azul com vermelho, 4 azuis e 1 vermelho)
Oporá = veio de Kétu, coberta de òsun vermelho. É a mãe de Obalùaiyé, ligada a terra, temida, agressiva e irascível. (azul com vermelho, 4 azuis e 1 vermelho)
Burúkú (o mal) = também é chamada Olú waiye (senhor da terra), ou Oló wo (senhor do dinheiro) ou ainda Olusegbe. Este Òrisà veio de Abomey; ligado à água doce dos pântanos, usa um ibirí azul. (lilás escuro com azul ou lilás escuro com vermelho)


Saudação: salubá nanã!
Dia da Semana: Sexta-feira ao lado de yemanjá
Número: 08 e seus múltiplos
Cor: azul claro com vermelho cristal ou lilás, dependendo da característica da Mãe
Guia: toda da mesma cor.
Oferenda: canjica branca refogada com cheiro verde.
Ferramentas: todos adornos femininos em prata, peixe, leque, caramujos, barco, âncora, leme, conchas, lua, moedas e búzios
Ave: Galinha branca
Quatro pé: ovelha
No seu ritual não é usada a faca de metal

domingo, 4 de janeiro de 2009

Pierre Verger e os resíduos coloniais: o “outro” fragmentado.

Pierre Verger e os resíduos coloniais: o outro fragmentado
Juana Elbein dos Santos
Publicado na Revista “Religião e Sociedade”, n. 8, Julho de 1982,

Reflexões em torno do artigo de Pierre Verger “Etnografia religiosa iorubá e probidade científica”
cujas três versões a direção da revista Religião e Sociedade teve a integridade de fazer-me chegar.


Dizia já Roger Bastide(1), cuidadosamente omitido no artigo de Verger, que são difíceis de aceitar textos capazes de revelar toda a riqueza do pensamento afro-brasileiro e do seu sistema simbólico como uma filosofia coerente de visão de mundo e do destino do homem. “É como se a sociedade branca - diz Bastide – desejosa de aceitar o candomblé como folclore ou espetáculo artístico, sentisse sua segurança intelectual ameaçada pela competição, em base igual, de uma filosofia outra que não a sua [o grifo é nosso].”

Eu diria que alguns etnólogos, entre os quais Verger, fascinados pela “beleza” e pelo “exotismo” do “bom primitivo”, se limitam a fotografa-lo, descrevê-lo. São compiladores, contadores de histórias, de ritos, de heróis. Parece que não acompanham o andamento progressivo do acontecer contemporâneo. Parecem não compreender que se está encerrando o ciclo das descrições, dos traços culturais, dos documentos justapostos. Ainda não descobriram as subjacências simbólicas, a relação do visível com o invisível, do movimento com o gesto, do transcender do discurso manifesto dos mitos e ações estruturadoras de identidade.

É por isso que nestas primeiras reflexões sugeridas pelo artigo de Verger, nesta quase carta, não me parece importante desmistificar as incongruências manifestas e as dificuldades de manejo do código simbólico através das quais Verger pretende discordar de informações e dados etnográficos de meu trabalho.

É obvio que, ao procurar desacreditar a minha “probidade científica” [honestidade científica], não se propõe apenas a discutir essa ou aquela divergência etnográfica. O problema é bem mais crucial. O ataque pessoal de Verger encobre a tentativa de controlar e até invalidar divergências ideológicas subjacentes. Nessa oposição, espectador, colecionador e fotógrafo versus participante engajado e agitador de percepções, que se atreve a interpretar e caracterizar uma epistemologia tradicional estão em debate questões que se extrapolam as divergências pessoais e nos tornam representantes de problemas e posições abrangentes bem mais importantes.

Devo dizer que em outras circunstâncias não responderia ao artigo. Em primeiro lugar, porque desde minha chegada ao Brasil, a leitura da bibliografia sobre a cultura negra, em particular no que se refere à religião, em confronto coma a minha convivência iniciática pessoal nas próprias comunidades, afastou-me do exame crítico minucioso de trabalhos alheios.

Não que a avaliação bibliográfica careça de importância, muito ao contrário. Apenas a análise dos discursos subjacentes, a recolocação dos mesmos no contexto histórico e ideológico em que foram produzidos exige uma longa e séria dedicação específica – espaço e tempo que preferi investir em propostas e objetivos mais concretos, emergentes de minha própria experiência e envolvimento sócio-comunitário.

Esse envolvimento me levou, por um lado, a aprofundar minha experiência iniciática, e, por outro lado, não só a vivê-la e incorpora-la, mas também a aprofundar a reflexão erudita, a nível individual e de intercâmbio, impulsionando intensa atividade em instituições como a SECNEB (2), no desenvolvimento de projetos e programas como o as Mini-Comunidade Oba-Biyi (3) e o Centro de Documentação e Comunicação Pluricultural (4), e na realização de seminários e eventos vários (5).

Em segundo lugar, retomando minha pouca dedicação crítica sobre outros autores, devo insistir que mesmo em minhas publicações anteriores raramente me estendi sobre autores determinados, apenas assinalando o que chamei de “desmistificação ideológica” de certa literatura afro-brasileira (6). Com mais razão, tratando-se de Verger, por considerar que suas limitações e suas posições no processo da ciência antropológica e no da participação do negro na conjuntura nacional e internacional, emergem tão claramente de seus trabalhos que nem se fazia necessário sublinha-las.

O que de fato me leva desta vez a abrir exceção é que o objetivo central do artigo de Verger, ao pretender não apenas debater, mas obviamente desacreditar nosso (7) trabalho, traz implícito o intento de confundir e atacar posições que, provisoriamente, chamarei de descolonizadoras, e pelas quais Verger parece sentir-se bastante ameaçado, tão atingido que, para legitimar seus embates, tenta uma completa inversão de situações.

Parece claro que Verger pretende confundir o leitor apresentando-me como alguém que utiliza informações de dicionários e autores ultrapassados, os quais, inconsciente ou propositadamente, deturpam e/ou detratam os valores dos povos africanos. Quer colocar-me Verger na trilha desses autores, como a fantástica inventora de um sistema utopicamente coerente e dinâmico. Quem teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento gradual dos trabalhos (8) que antecederam e culminaram em Os Nagô e a morte, deve no mínimo, ficar desconfiado ante essas colocações de Verger. Sem dúvida, devo agradecer-lhe a estupenda capacidade de abstração intelectual e de criatividade que me outorga, pois inventar ou fantasiar um tão complexo sistema simbólico, que dever ter levado séculos e mais séculos até se sedimentar e se estruturar, é na verdade investir-me de um poder criativo, lúcido e coerente que, penso, só pode ser atribuído ao meu orixá Oduduwa, orixá da criação da terra, e, conforme Verger, objeto aparente de meu pecado original. Odúa é um princípio feminino ou masculino? É aí o começo da questão, porque em relação à crítica que ele faz de minha percepção do sistema como um todo, não se trata de fato de Odúa, cujo significado discutiremos em outra oportunidade. Trata-se em suma da relação feminino/masculino. E com referência às imputações de Virgem, qualquer que seja o nome dado à entidade ou princípio, a metade inferior de do Igba-dú é a representação coletiva e deslocada da Iya-agba, a mãe anciã, símbolo do princípio feminino, nossa grande mãe que, não por acaso, Verger repetidamente qualifica de feiticeira.

A profunda dificuldade de Verger, como a de outros indivíduos, é de compreender, aceitar, manejar a relação feminino/masculino.

Entre as várias objeções de Verger em aceitar Odúa como princípio feminino destaca-se a conhecida disputa entre Odúa e Obatalá, pela primazia da criação, que Orunmilá consegue apaziguar. Será que a relação das Iya-wa com as entidades masculinas são tão idílicas? Verger sabe perfeitamente que não. O equilíbrio feminino/masculino é difícil e delicado, pois números mitos e rituais o atestam. A dificuldade de Verger em aceitar o conflito nessa relação é contraditória, reprimida e no mínimo, pessoal. E quando estes princípios são colocados em termos de genitores míticos e de “ventres fecundados”, podemos imaginar perfeitamente o desassossego que causam.

Retomando a inversão de situações pretendida pelo articulista, além de aliar-me a imaginosos pesquisadores, envereda Verger por caminhos ainda mais sinuosos, apostando na aparente ingenuidade ou na falta de informação de algum leitor desprevenido.

Diz Verger que foi testemunha de entrevistas por mim dirigidas com “enérgica insistência e paixão para provar teorias pré-estabelecidas”. Tratar-se ia de sacerdotes indefesos, condescentes ou maldosos. Aqui o cientista probo (honesto) entra em areias movediças, num espaço ético que merece uma leitura mais acurada.

Verger oculta cuidadosamente que desde a minha chegada a Salvador, em 1963, fui iniciada e convivi estreitamente com pessoas exponenciais de duas das mais respeitadas comunidades nagôs, estruturadas, uma em torno da tradição dos orixás, e outra em torno da tradição dos ancestrais, os Egun. Mais ainda, tenho a felicidade de compartilhar meu cotidiano com meu esposo, companheiro e colega, uma das mais nobres e sérias personalidades da cultura e da religião nagô brasileira. Meus “dados” são identificações, vivências e reflexões. Não precisam ser extorquidos de quem quer que seja. É um longo aprendizado, com atividades, conversas e trocas com mestres, irmãos e colegas. Não tenho necessidade, como certos pesquisadores, de comprar escritos inéditos, de remunerar e ocultar informantes e tradutores ou escamotear fontes. Na verdade, os autores antigos mencionados por Verger são quase desconhecidos no Brasil. Seus livros são raros e são quase inacessíveis. Só vim tomar conhecimento deles pelo próprio Verger, cujas longas citações ocupavam quase por inteiro suas primeiras publicações. Muito pelo contrário. É bem conhecida minha posição em relação ao que denominei “antropologia iniciática”.

Em Os Nagô e a Morte, eu afirmava: “Devido ao fato de que a religião nagô constitui uma experiência iniciática no decorrer da qual os conhecimentos são apreendidos por meio de uma experiência vivida ao nível bipessoal e grupal, mediante um desenvolvimento paulatino pela transmissão e absorção de uma força e de um conhecimento simbólico e complexo a todos os níveis de pessoa, e que ela representa a incorporação vivida de todos os elementos coletivos e individuais do sistema, parece que a perspectiva que convencionamos chamar “desde dentro” se impõe quase inevitavelmente.

É certo que a absorção de uma série de valores coletivos e individuais e o fato de os viver numa inter-relação de grupo não é suficiente para os fins de uma análise e de interpretação desses valores. É preciso, pois, coloca-los em perspectiva e reestruturar conscientemente os elementos, suas relações particulares, revelando assim seu simbolismo (9).

É também necessário precisar, como já fiz insistentemente em outras oportunidades, nossa posição em relação ao material africano. Da riquíssima experiência e patrimônio acumulados durante nossas várias estadas na África Ocidental, só utilizamos como referências para nossas publicações aquelas cuja evidência empírica, funções, concomitâncias e equivalências nos permitiam ampliar e verticalizar conhecimentos e percepções próprias a nossas comunidades brasileiras. A “insistência e paixão” com que procurávamos os sítios históricos e míticos e nos debruçávamos sobre temas, genealogias e onomástica determinados não pretendiam provar nenhuma “teoria pré-estabelecida”. Visando especificamente refletir sobre a visão de mundo no Nagô em seus polos de concentração em Salvador, os estudos e levantamentos realizados por mim e meu marido favoreciam os aspectos comparativos e se concentravam fundamentalmente naqueles lugares onde a tradição oral no Brasil indicava como sendo sua própria origem africana.

Havia, sim, paixão e deslumbramento quando personagens, títulos, ritos, emblemas e textos tradicionais africanos eram reconhecidos, dando apoio, esclarecendo e aprofundando valores e ações transmitidos da escravatura aos nossos dias. Havia a procura das analogias estruturais, a necessidade de percorrer o processo das continuidades, de perceber não apenas as similaridades exteriores, mas os significados, elaborações e mudanças.

É secundário se o nome de tal ou qual Exu não existe ou não coincide. É fundamental que tanto no Brasil como na África, sem Exu não há rito, não há Ifá, não há destino. É verdadeiramente inimaginável a puerilidade com que Verger se refere a Exu, sem conseguir enxergar sua complexidade e seus múltiplos desdobramentos, e se não for proposital, me parece verdadeiramente primária a confusão que pretende instalar entre o condutor e o poder conduzido. Talvez a confusão esteja mesmo instalada nele, dada a dificuldade que parece ter em extrapolar o anedótico. Exu é o transportador de axé – o Elebo, o Eleru – como um fio é o condutor de eletricidade.

Dinâmica, processo, contradições, dialética, propulsão, não parecem ser conceitos fáceis de aceitar pra alguns etnógrafos. Isso não é gratuito. Há uma evidente coerência. Para colecionadores meticulosos, o ethos de um povo é visto em planos, á atemporal. Processo e propulsão significam movimento, mudança.

A dinâmica gera transcurso, gera uma dimensão histórica, contextual, suma dimensão social e política.

Assim, Verger não consegue mergulhar na própria tese de nosso trabalho, não distingue o principal do secundário, o conceito de axé, de sacrifício e morte como vivências, elaborações e estratégias culturais, míticas e simbólicas, de individuação e reciclagem dos poderes coletivos e cósmicos.
A ruptura do espaço ético me permite exorcizar remanescentes de coleguismo e até de uma pseudo-irmandade em Xangô. As críticas de Verger não correspondem apenas a preocupações de natureza científica. A sua manipulação da noção de probidade se apoia em tergiversações propositais, limitações pessoais e metodológicas legitimadas por uma auto-atribuída e imobilizante “exatidão factual” esvaziada de conteúdos filosóficos.

Me parece importante tratar de examinar e compreender o que se oculta por detrás do aparente zelo científico do artigo. Procurar resumir as subjacências, os propósitos e as verdadeiras divergências. Ao coloca-las no quadro mais amplo das ciências sociais e da etnografia religiosa nagô, sou levada a focalizar três aspectos: 1) o ideológico, 2) o metodológico ou das percepções e 3) o ético. Em realidade, estes três aspectos se relacionam e são intermutáveis.

Dos comentários do artigo se deprende que a maior dificuldade parece relacionar-se com a capacidade de perceber o nível simbólico do material factual. É nesse nível precisamente que acreditamos ser possível analisar a natureza e o significado de textos e ações, reconstituindo a trama de suas inter-relações, capazes de estabelecer nexos e propósitos, permitindo perceber sequencias, estrutura e processo.É a interpretação simbólica, a relação do manifesto com seus conteúdos latentes, que permite tornar explícita a realidade factual.

Em outras palavras apreender os elementos e os valores “desde dentro” numa convivência iniciática no seio das comunidades e ao mesmo tempo poder abstrair dessa realidade empírica as relações de conjunto, seus significados simbólicos, numa abstração consciente “desde fora”, permitiria uma visão integradora, uma proposta epistemológica, que por mais heurística que possa ser, admite um “outro”, um sujeito, uma gestalt básica, um alter coerente e “inteiro”.

Deter-se com minúcia na teogonia, por mais rica e inspiradora que possa ser, sem examinar sua profundidade teológica, a complexidade epistemológica da religião, é colocar essa teogonia num nível primitivo, num estágio inferior – ainda mais tratando-se de “crenças” trazidas pelos africanos escravos, e assim associadas “às camadas mais baixas de nossa população”. Subjaz nesse enfoque dicotomizante a visão colonialista.

A projeção ideológica de autores como Verger dificulta-lhes a visão integradora, neutralizando o portador cultural como sujeito social específico.

Esses autores não apenas atribuem a abstrações intelectuais as tentativas epistemológicas. Sua ênfase nos costumes e cultos exóticos parecem levar a destituir os africanos e seus descendentes do fato de terem consciência de seu sistema de pensamento, de possuírem autoimagem, elaborações intelectuais e estratégicas positivas de ação. Conclui-se das colocações de Verger – tal como os autores colonialistas – não acredita que sociedades tradicionais, onde o saber é transmitido de modo proverbial, por parábolas, por relações interpessoais concretas sejam capazes de gerar doutrina e conhecimento teológico.

Essa posição parece implicar não só a impossibilidade de transcender o nível puramente descritivo, como a incapacidade do negro de transcender o empírico refletindo sobre sua natureza profunda. Puxando o fio, não se custará a chegar por esse caminho a posições eivadas de racismo. Ao africano, apenas o atávico, o sensorial, o hedonismo projetado; ao europeu, a capacidade da razão. Dessa maneira, os ideólogos a serviço da dominação colonial esvaziam o colonizado de sua consciência de alteridade, de sua capacidade de produzir civilização, e transformam seu patrimônio cultural em expressões fragmentadas desarticulando os significantes dos significados. Essa visão folclorizante é o instrumento certo para introduzir, na realidade, fermentos de alienação e cooptação.

O contexto colonial se caracteriza fragmentação e pela folclorização. A ação descolonizadora, ao contrário, restitui uma identidade e um conteúdo próprios. Integra, por uma decisão até radical, de perceber as especificidades estruturadoras que permitam a recomposição e o manejo do processo histórico.

A perspectiva de uma continuidade básica nos permite também uma compreensão mais coerente das variáveis, da diversidade de modelos e situações, das elaborações instrumentadas em instituições que recompõem uma “afirmação existencial” peculiar, um self diferenciado.

Ao contrário, as armadilhas ideológicas de Verger, defendendo noções de “pureza” de origens conduzem ao conservadorismo, à repetição estéril, à estagnação.

Elitista, unilinear e imobilizante, a “veracidade”, a “exatidão” do patrimônio cultural estaria determinada geograficamente. Verger supõe verdadeiros os dados por ele colhidos nos lugares de origem, Oio, Ifé, etc., como se a cultura tradicional desses lugares não houvesse sofrido o impacto da colonização e as mudanças próprias de povos vivos. Ao esfacelar os traços e não distinguir a continuidade dos conteúdos latentes nas variáveis com que eles se revestem no processo de resistência e luta por um espaço social, ele descarta como incorretas todas as transformações e mudanças. Com petulância axiomática, rotula de periféricas e inexatas todas as produções culturais de populações mais afastadas desses centros e, por extensão, das populações negras da diáspora. Essa colocação “purista” nega precisamente o que existe de mais potente nessas populações, que é sua forma criativa, o poder de recria-se na identidade (10).

Refletir sobre a função da ideologia e seus efeitos me leva apensar ainda sobre atitudes éticas, pessoais e profissionais. Acredito que o embasamento ideológico permeia não só os métodos e concepções, como também o tipo de comunicação e a conduta do pesquisador em relação ao “outro”.

Há uma estreita relação entre o espaço ético, a produção intelectual e a qualidade de comunicação e conduta em relação ao “outro”.

A visão anedótica, folclorizante e fragmentada, ao esvaziar o “objeto” de suas capacidades, leva o pesquisador a atitudes complexas, de proteção imobilizante e paternalista.

Assim é que Verger – como outros profissionais – parecia preocupada com a salvação do que entendia como parte do patrimônio, justificando a transferência de peças sagradas – até de colunas e templos – para museus e instituições europeias. Esse sentimento protetor, não só não é compartilhado pelas autoridades africanas pós-coloniais, como inclusive deu origem a fortes manifestações de repúdio na frente do Musée de L’Homme, em Paris, durante o célebre movimento de maio. Estudantes e intelectuais exigiam a devolução das coleções às instituições dos respectivos países de origem (11) .

Essa mesma compulsão paternalista leva o nosso crítico a temer a “contaminação” das tradições, confirmando sua fraca crença no poder criativo, de discernimento e de autogestão de nossas populações.

Apoiando-se nessa ideologia paternalista e conservadora, esses intelectuais pretendem deter o monopólio autocrático da verdade. Investidos como únicos representantes e detentores do código cultural, dificilmente conseguem aceitar e/ou compartilhar novos enfoques, que possam invalidar suas posições ou desloca-los do poder. Porque é exatamente disso que se trata. Não cabe a menor dúvida que nossas divergências são insanáveis e irreversíveis. Como irreversíveis são a escravatura, o colonialismo e tratos ismos que favorecem a inflação folclórica, a pureza e a preservação congeladora do primitivo sadio e estético.

Repetimos que não se trata apenas de divergências acadêmicas ou de uma probidade científica manipulada, de compreensão e/ou tradução de algumas palavras ou traços. Trata-se de enfoque de conjunto, de radicalizar os conceitos de percepção, de comprometimento público e de responsabilidade histórica. Tem razão o Sr. Verger, não estamos mais na época de Nina Rodrigues. Mudam os donos dos códigos.

A antropologia, as ciências sociais estão se descolonizando. Hoje, os países africanos e latino-americanos, as chamadas “minorias”, estão estruturando novos institutos e novos cientistas. Ainda em dificuldades, os intelectuais estão se questionando. Depois de tantos genocídios, guerras pela independência e lutas, o exercício decidido da descolonização e a afirmação das alteridades como “sujeitos sociais” numa coexistência dialética e democrática nos parecem ser o melhor caminho para nossas nações substancialmente pluralistas.

[Transcrito do original por Luiz L. Marins]

NOTAS

  1. Roger Bastide, “O estado atual da pesquisa afro-americana na América Latina”, in Serèpègbè, nº 2, Salvador, SECNEB, 1975, PP. 3-10.
  2. Em 1974 reunimos a experiência de figuras exponenciais da comunidade negra brasileira à de cientistas sociais e fundamos a Sociedade de Estudos da Cultura Negra do Brasil. A SECNEB desenvolve programas de pesquisa, documentação e promoção da população negra através da associação da investigação e reflexão sistemáticas com a vivência dos problemas reais das comunidades negras e de sua participação tecido social do Brasil.
  3. Diante do alto índice de evasão e repetência escolar da população infantil das comunidades negras de Salvador, criamos o GTE, Grupo de Trabalho em Educação, através do projeto piloto Mini-Comunidade Oba-Biyi, numa das mais estruturadas comunidades – terreiro em São Gonçalo do Retiro, Cabula, Salvador.
  4. Há três anos começamos a implantar o Centro de Documentação e Comunicação da SECNEB, reunindo documentaristas, cineastas e artistas, muitos integrantes das próprias comunidades negras. Propõe-se o Centro a contribuir significativamente para guardar e veicular a memória grupal e institucional da população negra, seu processo histórico, seus valores estruturais e seus desdobramentos contemporâneos. O Centro não só desenvolve um programa sistemático de documentação e arquivo, mas também promove intensa atividade experimental, baseadas nas informações e materiais colhidos através de pesquisas, estudos e depoimentos.
  5. Gostaríamos de levantar um dos eventos mais significativos pelos temas levantados e pelo alto gabarito dos participantes, Seminário “Simbologia e linguagem na diáspora negra: ritos e dramatizações”, julho de 1980.
  6. “Os Nagô e a Morte”, pp. 20-23.
  7. O conteúdo das notas 2, 3, 4, e 5, foi precisamente para configurar o alcance de publicações e atividades que extrapolam amplamente posições pessoais.
  8. Refiro-me às pesquisas e a alguns artigos e ensaios anteriores a 1972 realizados em colaboração com Deoscoredes M. dos Santos, especificamente: West African SacredArt and Rituais in Brazil, Institute African Studies, University of Ibadan, 1967 ; Ancestral Worship in Bahia: the Egun Cult, in Journal de La Societé dês Americanistes, t. LVII, Paris, 1969 ; La Religion Nagô Génératice et Reserve de Valeurs Culturelles au Brésil, Colloque International sur Les Valeurs de civilsation de La religion traditionalle de l’Afrique Noire, Cotonu, SAC ET UNESCO, 1970 ; Èsù Bara Láróye – a comparative study, Institute African Studies, University of Ibadan, 1971 ; Èsù Bara, Principle of Individual Life in the Nago System, Collooque International sur La Notion de Persnone em Afrique Noire, CNRS, Paris, 1971.
  9. “Os Nagô e a Morte”, pp. 16 e seg.
  10. Bastide enxergava com incrível lucidez o processo complexo de nossa sociedade pluralista e os problemas ideológicos emergentes. Em um dos seus últimos trabalhos afirmou: O importante é achar novos métodos de análise que possam elucidar fenômenos que até agora tem sido descurados porque foram tratados somente em termos de uma perspectiva limitadas e de categorias datadas do século XX. Então se tornará claro que a cultura negra não está como parece a alguns, congelada num sistema de defesa rígido demais para mudar, mas é uma cultura viva, capaz de constante criação mantendo o passo com os ritmos de mudança na sociedade global, da qual não é marginal, mas um elemento dialético (Bastide, op. cit. pg. 16)
  11. Lamentamos o episódio em que Verger foi envolvido a algum tempo atrás ligado ao desaparecimento a uma famosa escultura africana. Foi uma situação constrangedora e gratuita, apenas compreensível, pois suspeitas dessa ordem são o resultado de atividades prévias e permeações ideológicas que sensibilizaram as autoridades e os intelectuais pós-coloniais. Diz Fanon que “quando o contesto colonial desaparece, o intelectual ainda portador desses valores não mais consegue coexistir na ex-colônia” (Frantz Fanon, Les damnés de La terre, Paris, Maspéro, 1968).



    Veja também: Etnografia religiosa iorubá e probidade científica, Pierre Verger

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